O Pantanal, maior planície alagável contínua do planeta, atravessa uma transformação profunda e alarmante. Em quatro décadas, a paisagem moldada por ciclos naturais de cheias e secas foi sendo reconfigurada pela ação humana, pela expansão agropecuária e por eventos climáticos extremos. Segundo um novo relatório da rede MapBiomas, divulgado neste 12 de novembro, Dia do Pantanal, o bioma perdeu 75% de sua área permanentemente alagada entre 2015 e 2024 — o equivalente a 1,2 milhão de hectares.

A seca recorde de 2024, considerada a mais severa dos últimos 40 anos, expôs as fragilidades de um ecossistema que depende da água como nenhum outro. Ao mesmo tempo, as atividades antrópicas — pastagens, mineração, agricultura e aquicultura — já ocupam 15,2% do território pantaneiro. A conversão do solo avança de forma desigual, mas com intensidade crescente, especialmente nos planaltos que alimentam os rios e áreas úmidas do bioma.
O estudo do MapBiomas, elaborado a partir da Coleção 10 de Mapas de Cobertura e Uso da Terra no Brasil, revela o encadeamento ecológico entre o Pantanal, o Cerrado e a Amazônia. Esses três biomas formam um sistema interdependente: o Cerrado e a Amazônia concentram, respectivamente, 83% e 17% do planalto que regula o fluxo de água para a planície pantaneira. Quando um deles é degradado, o impacto repercute nos demais.
Na Bacia do Alto Paraguai (BAP), área que abrange partes do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul, a perda de vegetação nativa entre 1985 e 2024 foi drástica. No lado sul-mato-grossense, as áreas naturais caíram de 79% para 61%. No Mato Grosso, a redução foi ainda maior: de 80% para 58%. A expansão agrícola foi o principal vetor dessa mudança, com destaque para a cultura da soja, que já ocupa 80% da área total de lavouras. O avanço de monoculturas compromete não apenas a diversidade da fauna e da flora, mas também a resiliência ecológica do bioma.
No terreno humano dessa crise, vozes como a de Leonida de Souza, conhecida como Eliane, emergem como símbolo de resistência. Primeira mulher brigadista do Pantanal, formada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), Eliane é também fundadora da associação de artesãs Renascer e coordenadora da Rede Pantaneira. Filha de pescador, quilombola e indígena guató, ela carrega nas mãos e na memória a luta por um modo de vida que se esvai com a degradação ambiental.
“A seca é muito grande, as plantas não conseguem sobreviver. Antes, o solo se renovava com a folha seca. Agora, o que era da gente virou área particular”, lamenta. Seu testemunho traduz o colapso silencioso que o Pantanal enfrenta: menos chuvas, rios rasos, peixes escassos e calor insuportável. O desequilíbrio do pulso de inundação — que sempre foi o coração do bioma — ameaça tornar o Pantanal irreconhecível.

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A percepção empírica de Eliane encontra respaldo científico. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) confirmou que o Pantanal está entre as áreas mais afetadas pela crise hídrica e pelos incêndios dos últimos dois anos. O solo seco e a baixa regeneração natural indicam que o bioma pode estar se aproximando de um ponto de não retorno.
O professor Geraldo Alves Damasceno Júnior, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e coordenador do Núcleo de Estudos do Fogo em Áreas Úmidas (Nefau), explica que o fogo — tradicionalmente usado por comunidades locais de forma controlada — passou a agir de maneira imprevisível. “Quando o Pantanal seca e acumula biomassa, qualquer faísca se transforma em incêndio de grandes proporções”, diz o pesquisador.
Para prevenir esses desastres, o Nefau desenvolve o uso do fogo prescrito, uma técnica que queima de forma controlada pequenas áreas para reduzir o material combustível, evitando que chamas se alastrem de modo devastador. O trabalho conta com apoio do Prevfogo e do Corpo de Bombeiros.
Além do fogo, as hidrelétricas representam outra ameaça estrutural. “Quando represamos a água, quebramos o ciclo natural do Pantanal. Sem fluxo livre, o bioma entra em colapso”, alerta Damasceno. Desde 1928, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrou a primeira usina no Rio da Casca, o modelo energético tem se expandido sem avaliar plenamente seus impactos hidrológicos.
Para enfrentar esse cenário, organizações da sociedade civil apostam em tecnologias de monitoramento. A diretora-geral da Mulheres em Ação no Pantanal (Mupan), Áurea Garcia, cita o Sistema de Inteligência do Fogo em Áreas Úmidas (Sifau), desenvolvido pela Wetlands International Brasil e pelo Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa/UFRJ). O sistema cruza dados de satélites e do próprio MapBiomas para emitir alertas em tempo real sobre áreas queimadas e prever riscos meteorológicos de incêndios.
No Dia do Pantanal, Áurea resume o apelo que ecoa entre cientistas e comunidades: “É urgente reconhecer o Pantanal como peça-chave para a estabilidade dos ecossistemas e da vida. Sem ele, perdemos uma das maiores fontes de equilíbrio climático do continente.”
Com informações da Agência Brasil , Letycia Bond






































