Pesquisadores do Instituto Mamirauá, em Tefé, no Amazonas, revelam que as águas dos lagos amazônicos estão aquecendo em uma escala sem precedentes nas últimas décadas. Os estudos, conduzidos por uma equipe vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), indicam um aumento médio de 0,6°C por década em 25 lagos da Amazônia central, atribuído às mudanças climáticas.
Resultados do Estudo
Os dados, coletados via satélites, foram apresentados em uma mesa-redonda sobre hidrografia e mudanças climáticas na 76ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na última quinta-feira (11/07) no campus Guamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém.
“O aquecimento das águas amazônicas é generalizado. Desde 1990, observamos uma tendência média de 0,6°C por década nos lagos amazônicos. Todos os lagos estudados apresentaram uma tendência significativa de aquecimento”, afirmou Ayan Fleischmann, coordenador do estudo.
Consequências Desastrosas
A seca extrema de 2023 marcou um pico de aquecimento, com a temperatura da água do lago Tefé superando os 40°C a dois metros de profundidade. Essa temperatura sem precedentes resultou na morte de 209 botos, principalmente botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) e alguns tucuxi (Sotalia fluviatilis), relatou Fleischmann, que participou de uma força-tarefa para investigar as causas dessa mortalidade.
Especialistas apontam que encontrar três carcaças de botos em algumas semanas já é um alerta vermelho. Em 28 de setembro de 2023, 70 animais mortos em um dia caracterizaram uma tragédia sem precedentes.
Operação Emergência Botos Tefé
A Operação Emergência Botos Tefé, coordenada pelo Instituto Mamirauá e envolvendo diversas instituições nacionais e internacionais, concluiu que a causa da morte dos botos foi hipertermia. A seca extrema resultou em um aumento significativo de radiação solar, aquecendo as águas rasas e turvas do lago Tefé a mais de 40°C.
Fleischmann explicou que lagos na Amazônia podem atingir temperaturas extremas na superfície, variando entre 37°C e 40°C. No entanto, durante a seca de 2023, a temperatura do lago Tefé permaneceu em 40°C, sem refúgio térmico para os animais.
Monitoramento e Adaptação
Entre setembro e outubro de 2023, uma rede emergencial de monitoramento foi estabelecida para medir a temperatura da água em diversos lagos da Amazônia central. Mais da metade dos dez lagos mapeados registraram temperaturas superiores a 37°C, corroborando com dados de satélite.
Fleischmann alerta que o aquecimento generalizado das águas amazônicas representa um risco real para os ecossistemas aquáticos e para as comunidades ribeirinhas que dependem dos rios. “Foi uma catástrofe humanitária o que aconteceu na Amazônia durante a seca de 2023”, disse.
Medidas de Adaptação Necessárias
Com a expectativa de eventos climáticos extremos se tornando mais frequentes, Fleischmann enfatiza a urgência em criar programas de acesso à água na Amazônia. A construção de cisternas para captação de água da chuva, poços mais profundos e a distribuição de kits de tratamento emergencial da água são algumas das medidas sugeridas.
Mesmo durante a seca de 2023, o volume pluvial na região foi suficiente para atender às necessidades básicas de uma família com cinco membros, caso houvesse cisternas disponíveis. Em agosto de 2023, o volume de chuva no médio Solimões foi de 50 milímetros, suficiente para gerar 2 mil litros de água se armazenada adequadamente, explicou Fleischmann.
“Esse volume seria suficiente para atender às necessidades básicas de uma família, acima do recomendado pelas organizações internacionais durante crises”, concluiu Fleischmann.