Ciência sem fronteiras diante de um clima em transformação
O avanço das mudanças climáticas tem imposto desafios cada vez mais complexos às cidades, especialmente quando eventos extremos de calor e água deixam de ser exceção e passam a fazer parte da rotina urbana. Enchentes recorrentes, ondas de calor prolongadas e crises hídricas afetam de forma desproporcional populações mais vulneráveis, pressionando sistemas de saúde, infraestrutura e governança. É nesse contexto que a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) divulgou os resultados de uma chamada estratégica realizada em parceria com a Organização Holandesa para a Pesquisa Científica (NWO).

A iniciativa, lançada em 2024, teve como foco o apoio a pesquisas colaborativas sobre eventos extremos de calor e água e seus impactos adversos à saúde em ambientes urbanos. Ao todo, cinco projetos foram selecionados, reunindo equipes paulistas e holandesas em uma agenda comum: compreender riscos emergentes, propor soluções integradas e produzir conhecimento aplicável à vida cotidiana das cidades.
Uma parceria consolidada entre São Paulo e Holanda
A chamada integra a décima ação bilateral promovida no âmbito do acordo de cooperação científica firmado entre FAPESP e NWO em 2012. Ao longo de mais de uma década, essa parceria tem estimulado colaborações em áreas estratégicas, reforçando a ideia de que desafios globais exigem respostas científicas construídas de forma cooperativa.
No caso específico desta chamada, o interesse convergiu para a interseção entre clima, água, calor e saúde. As propostas submetidas refletiram uma preocupação comum entre pesquisadores dos dois países: como eventos climáticos extremos afetam o bem-estar humano em cidades densas e desiguais, e como ciência, tecnologia e políticas públicas podem atuar de forma articulada para mitigar esses impactos.
Os projetos selecionados partem de abordagens interdisciplinares, combinando medicina, saúde pública, engenharia, ciências ambientais, planejamento urbano e participação social. A diversidade temática revela uma compreensão ampliada do problema climático, que não se limita a dados físicos, mas incorpora dimensões sociais, econômicas e territoriais.

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Projetos que conectam clima, saúde e cidade
Entre as colaborações aprovadas está o projeto RENAL-HEAT-MAP, que investiga os efeitos do calor extremo de longo prazo sobre a saúde renal. A pesquisa é liderada no Brasil por Lucia da Conceição Andrade, da Faculdade de Medicina da USP, em parceria com Jesper Kers, do Leiden University Medical Center. O estudo busca compreender mecanismos de nefrotoxicidade associados ao calor e desenvolver estratégias de prevenção, especialmente relevantes em um cenário de ondas de calor cada vez mais frequentes.
Outro projeto selecionado é o GreenCare4Health, coordenado por Luiz Fernando Ferraz da Silva, também da Faculdade de Medicina da USP, em colaboração com Victor Munoz Sanz, da Delft University of Technology. A pesquisa explora como ações climáticas e ambientes verdes podem ser integrados à promoção da saúde, criando espaços urbanos mais resilientes e saudáveis.
Na área de água e saneamento, o projeto MicroSafe propõe estratégias baseadas no microbioma para tornar sistemas hídricos urbanos mais seguros e adaptados às mudanças climáticas. A coordenação brasileira é de Welington Luiz de Araújo, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, em parceria com Emile Sylvestre, da Delft University of Technology. A iniciativa dialoga diretamente com desafios de infraestrutura crítica em contextos de escassez hídrica e eventos extremos.
Já o projeto Urban Climate Health Nexus, liderado por Leandro Luiz Giatti, da Faculdade de Saúde Pública da USP, em colaboração com Reinout WHJ Wiers, da University of Amsterdam, aposta em ciência cidadã, modelagem dinâmica de sistemas e inovação em políticas públicas. O objetivo é fortalecer a resiliência urbana e a equidade em saúde, incorporando a participação ativa da população na produção de conhecimento.
Completa a lista o Urban HealthTwin, coordenado por Estela Macedo Alves, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, em parceria com Johan Ninan, da Delft University of Technology. O projeto desenvolve um “gêmeo digital” participativo para investigar como soluções baseadas na natureza podem reduzir impactos climáticos sobre a saúde nas cidades, aproximando tecnologia, planejamento urbano e engajamento social.
Pesquisa aplicada e impacto social no centro da agenda
Em conjunto, os cinco projetos revelam uma mudança importante na forma como a pesquisa climática vem sendo pensada. Mais do que diagnosticar problemas, as colaborações buscam soluções concretas, integradas à vida urbana e sensíveis às desigualdades sociais. Populações de alto risco e grupos vulneráveis aparecem como foco transversal, reconhecendo que os efeitos do clima não são distribuídos de maneira uniforme.
Ao apoiar essas iniciativas, FAPESP e NWO reforçam o papel da ciência como ferramenta de adaptação e justiça climática. A escolha de temas como saúde renal, infraestrutura verde, governança urbana e participação cidadã indica uma aposta em respostas sistêmicas, capazes de dialogar com políticas públicas e estratégias de planejamento de longo prazo.
Em um mundo cada vez mais urbano e exposto a extremos climáticos, a colaboração entre São Paulo e Holanda mostra que alianças internacionais podem acelerar a produção de conhecimento relevante, conectando experiências locais a desafios globais. Mais do que um edital, a chamada representa um passo concreto na construção de cidades mais resilientes, saudáveis e preparadas para o futuro.















































