Plástico invade rios amazônicos e preocupa cientistas da Fiocruz


A maior floresta tropical do mundo enfrenta um inimigo invisível e persistente: os resíduos plásticos. Um estudo conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em colaboração com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, revelou um cenário alarmante de contaminação generalizada na Amazônia, tanto em ambientes aquáticos quanto terrestres.

Foto: Ricardo Oliveira/FramePhoto/Folhapress

A pesquisa, publicada na revista científica Ambio, representa a primeira revisão sistemática da literatura sobre poluição plástica no bioma amazônico. Os resultados mostram que a crise é mais grave do que se imaginava, com efeitos que ultrapassam os ecossistemas naturais e atingem diretamente a saúde humana, em especial a de comunidades ribeirinhas e indígenas que dependem das águas e da biodiversidade locais para sua sobrevivência.

Foram analisados 52 estudos revisados por pares, que documentaram a presença de plásticos em múltiplas formas — macro, meso, micro e nanoplásticos. Esses fragmentos foram encontrados em fauna, flora, sedimentos e corpos d’água. Toneladas de lixo, muitas vezes geradas em áreas urbanas ou descartadas por embarcações, percorrem longos trajetos nos rios amazônicos, atravessando fronteiras nacionais e se acumulando em regiões isoladas.

Para o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz Amazônia, o trabalho evidencia um problema subestimado. “Este é o primeiro estudo a aplicar o protocolo PRISMA-ScR na avaliação da contaminação plástica em ecossistemas amazônicos. A revisão deixa claro que o impacto é muito maior do que a maioria das pessoas imagina”, destacou.

Entre os exemplos mais preocupantes está a presença de fragmentos plásticos em espécies de peixes e quelônios consumidos pela população local, levantando o alerta para riscos de bioacumulação e possíveis efeitos tóxicos na saúde humana.

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Michell Mello/Fiocruz Amazônia

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A bióloga Jéssica Melo, coautora do artigo, reforça que a poluição plástica é uma crise global, mas que permanece negligenciada na região amazônica, apesar de abrigar a maior bacia hidrográfica do planeta. “A contaminação das principais fontes de água e alimento coloca em risco a saúde de populações tradicionais. Encontramos lacunas graves em pesquisas, especialmente em fauna não piscícola e em áreas remotas. Também precisamos ampliar os estudos em países amazônicos além do Brasil”, afirmou.

Além das lacunas científicas, o estudo aponta falhas estruturais. Comunidades do interior do Amazonas, por exemplo, antes produziam quase exclusivamente lixo orgânico. Hoje, como relatam pesquisadores do Instituto Mamirauá, rios e igarapés estão tomados por garrafas PET, embalagens e outros resíduos plásticos de uso cotidiano. A ausência de infraestrutura adequada de coleta e destinação de lixo agrava o problema, transformando o que seria descartável em ameaça persistente.

O artigo também ressalta a urgência de medidas integradas, combinando políticas públicas, gestão de resíduos e educação ambiental. Para os autores, enfrentar a poluição plástica requer não apenas melhorias técnicas, mas também o fortalecimento da consciência coletiva sobre o impacto de cada embalagem descartada.

A proximidade da COP30, que ocorrerá em Belém, confere ainda mais peso às conclusões da pesquisa. A contaminação por plásticos na Amazônia expõe contradições entre discursos globais de sustentabilidade e a realidade vivida por populações locais. Se o bioma é um dos símbolos mundiais da luta contra a crise climática, sua crescente degradação silenciosa pelo plástico revela a necessidade de ações urgentes que ultrapassem promessas diplomáticas.

A mensagem é clara: a Amazônia, responsável por regular o clima e abrigar uma das maiores biodiversidades do planeta, está sendo lentamente sufocada por resíduos sintéticos que não se degradam no tempo da natureza. E se a poluição plástica já ameaça rios, peixes, quelônios e aves, ela também compromete diretamente a segurança alimentar e a saúde de milhares de famílias que vivem em estreita relação com a floresta.

Com a publicação da revisão na Ambio, pesquisadores esperam estimular novos estudos e mobilizar governos, organizações internacionais e sociedade civil para que enfrentem o problema de frente. Mais do que um alerta científico, o estudo é um chamado à ação: sem políticas eficazes de gestão de resíduos e sem conscientização coletiva, a floresta amazônica pode se tornar mais um retrato da crise global do plástico.