Amazônia abriga o segundo rio mais poluído por plásticos


A floresta amazônica, reconhecida como o coração verde do planeta, carrega hoje uma ferida silenciosa que cresce a cada ano: a poluição por plásticos. Um estudo recente coordenado pela Fiocruz, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, revela que a Amazônia abriga o segundo rio mais poluído por plástico do mundo, situação que expõe não apenas os ecossistemas locais, mas também a saúde das populações ribeirinhas e indígenas.

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O levantamento, publicado na revista científica AMBIO, foi conduzido pela bióloga Jéssica Melo, colaboradora da Fiocruz, que liderou a pesquisa intitulada “Plastic pollution in the Amazon: the first comprehensive and structured scoping review”. O artigo compila evidências de contaminação que atravessam todos os níveis do bioma: da fauna e flora aos sedimentos, da superfície dos rios às comunidades humanas que dependem deles para viver.

Segundo Melo, a poluição plástica ameaça a chamada “Saúde Única”, conceito que integra o equilíbrio entre seres humanos, animais e o ambiente. Quando peixes, solos e fontes de água acumulam resíduos, toda a cadeia alimentar se torna vulnerável, ampliando riscos de doenças e comprometendo a subsistência de populações tradicionais.

Cotidiano marcado pelo lixo flutuante

O estudo mostra que a exposição das comunidades amazônicas a toneladas de resíduos é diária. Garrafas PET, embalagens de alimentos industrializados e outros produtos de uso comum viajam pelos rios, descartados tanto por embarcações quanto por áreas urbanas. A própria população ribeirinha, sem alternativas adequadas de coleta, acaba contribuindo involuntariamente para o problema.

Pesquisadores do Instituto Mamirauá, que atuam em Tefé, no interior do Amazonas, descrevem como o cenário se transformou em poucas décadas. Antes, os resíduos eram essencialmente orgânicos — restos de frutas ou ossos de peixe — que se decompunham sem maiores danos. Hoje, os rios acumulam materiais persistentes que se espalham com rapidez e permanecem no ambiente por séculos.

A falta de infraestrutura para a gestão de resíduos sólidos é um dos pontos mais críticos. Enquanto cidades costeiras como Rio de Janeiro e Salvador já implementaram medidas para restringir o uso de produtos descartáveis derivados de petróleo, como canudos plásticos e embalagens de isopor, a realidade amazônica é outra. Não há sistemas de reciclagem estruturados no interior do Amazonas, tampouco políticas públicas que incentivem alternativas sustentáveis.

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Martine Perret/ONU Meio Ambiente

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Um problema ainda pouco dimensionado

Apesar da gravidade, a real dimensão da poluição plástica na Amazônia segue pouco conhecida. O epidemiologista Jesem Orellana, pesquisador da Fiocruz Amazônia, destaca que a equipe revisou 52 estudos avaliados por pares, todos apontando para a presença disseminada de resíduos plásticos em diferentes ambientes amazônicos. Para ele, a revisão evidencia que o impacto pode ser ainda mais profundo do que se imagina, exigindo um olhar urgente das autoridades e da sociedade.

Orellana lembra que o estudo chega em um momento estratégico: às vésperas da COP30, que acontecerá em Belém em novembro de 2025. “A revisão surge justamente quando o mundo discute o primeiro tratado global contra a poluição plástica, com prazo definido pelas Nações Unidas para que cerca de 180 países apresentassem suas propostas até agosto deste ano”, explica o pesquisador.

Amazônia no centro do debate global

A coincidência entre a divulgação do estudo e o calendário internacional reforça o papel simbólico da Amazônia na luta contra a poluição plástica. Como maior bacia hidrográfica do planeta, qualquer impacto ambiental na região possui efeitos amplificados, influenciando ciclos de água, clima e biodiversidade em escala global.

Ao mesmo tempo, o problema afeta diretamente populações que dependem do rio para beber, cozinhar, pescar e transportar alimentos. Os resíduos plásticos não apenas contaminam a água, mas podem se fragmentar em microplásticos, invisíveis a olho nu e ainda mais perigosos para a saúde humana.

O alerta trazido por Fiocruz e Mamirauá sinaliza que a questão não pode mais ser tratada como periférica. É preciso pensar em soluções que combinem políticas públicas robustas, infraestrutura de coleta adaptada às realidades locais, educação ambiental e alternativas econômicas que reduzam a dependência de produtos descartáveis.

Mais do que uma denúncia, o estudo se apresenta como um convite à reflexão global: a Amazônia, guardiã de parte essencial da vida no planeta, não pode continuar recebendo a carga invisível de um modelo de consumo insustentável. O debate na COP30 será, inevitavelmente, um teste sobre a capacidade de governos, empresas e sociedades de transformar diagnósticos alarmantes em ação concreta.