O presunto de Parma, uma das iguarias mais icônicas e apreciadas da Itália, enfrenta um cenário preocupante. Tradicionalmente produzido na região de Emilia-Romagna, utilizando apenas pernas de porcos italianos, sal e o ar puro local, esse produto secular está ameaçado pelas mudanças climáticas e pela propagação de doenças suínas. Reconhecido mundialmente por sua qualidade e tradição, o presunto de Parma gera um volume de negócios anual de € 1,5 bilhão, mas o futuro dessa preciosidade culinária nunca foi tão incerto.
Processo artesanal tradicional
A produção do presunto de Parma é um processo artesanal transmitido por gerações, remontando ao tempo dos romanos. Os produtores como Stefano Borchini, proprietário de uma fábrica na aldeia de Langhirano, seguem métodos antigos, combinando “carne, sal, tempo e ar” para curar as peças por um período mínimo de 400 dias. É um processo que envolve cuidado, tradição e precisão, onde os presuntos são inspecionados por mestres especializados que verificam a qualidade através do olfato, utilizando uma agulha de osso de cavalo.
Efeitos das mudanças climáticas
Porém, os efeitos das mudanças climáticas já impactam diretamente esse processo milenar. A região, que costumava contar com noites frescas durante o verão para ajudar na cura do presunto, tem enfrentado aumento gradual nas temperaturas. Segundo Borchini, as noites estão até dois graus mais quentes do que há 15 anos, forçando os produtores a instalar sistemas de ar condicionado para manter as condições ideais. Embora esta adaptação permita a continuidade da produção, ela gera custos adicionais e representa uma ruptura com a dependência tradicional do clima local.
Além do clima, outro grande desafio é a peste suína africana, uma doença viral altamente contagiosa que afeta os porcos. Desde 2021, quando o vírus foi detectado, mais de 200 mil porcos foram abatidos na região da Lombardia, uma das principais fornecedoras de carne para a produção do presunto de Parma. Essa medida extrema, imposta pelas autoridades para conter a disseminação, gerou uma redução na oferta de pernas suínas e um aumento expressivo nos custos das matérias-primas. Segundo Borchini, a oferta de carne de porco caiu cerca de 8%, forçando os produtores a lidarem com a alta de preços.
Restrições e proibições de exportação
As restrições impostas pela União Europeia e as proibições de exportação agravaram ainda mais a situação. Países como China, Japão e Taiwan fecharam completamente seus mercados para a carne suína italiana devido ao surto da peste suína africana. Outras nações, como os Estados Unidos e o Canadá, aceitam as exportações, mas com limitações regionalizadas, dependendo das áreas onde o vírus foi detectado. Isso tem impactado severamente a indústria italiana de carne de porco, que movimenta cerca de € 8,5 bilhões anualmente, incluindo outros produtos como salames, mortadelas e salsichas.
Enquanto os produtores enfrentam dificuldades, a importância do presunto de Parma como símbolo cultural e econômico da Itália permanece inquestionável. A região de Emilia-Romagna, conhecida também por produtos como o queijo Parmigiano Reggiano e o vinagre balsâmico de Modena, atrai centenas de milhares de turistas anualmente, que buscam vivenciar de perto a tradição gastronômica local. As visitas às fábricas e degustações se tornaram experiências únicas, ajudando a manter a economia da região em movimento.
O futuro do presunto de Parma
No entanto, o futuro do presunto de Parma exige respostas rápidas e estratégicas para lidar com as mudanças climáticas e as doenças suínas. A adaptação tecnológica, como o uso de climatização artificial, pode mitigar os efeitos imediatos, mas não resolve as causas profundas do aquecimento global. Produtores e autoridades italianas também trabalham para convencer parceiros internacionais da segurança e qualidade dos produtos, na tentativa de retomar os mercados perdidos.
O cenário do presunto de Parma é um alerta para o impacto das mudanças climáticas e das crises sanitárias em setores tradicionais. A produção artesanal, que depende de condições climáticas específicas, está em risco, e a necessidade de soluções sustentáveis nunca foi tão urgente. O presunto de Parma, com seu valor cultural e econômico inestimável, é mais do que um produto: é um símbolo de tradição ameaçado por um mundo em transformação.
A luta para preservar essa iguaria reflete um desafio global. À medida que o planeta aquece, produtores em todo o mundo enfrentam a necessidade de se adaptar e inovar, garantindo a continuidade de práticas tradicionais sem comprometer o meio ambiente. A resistência do presunto de Parma é um exemplo de que a adaptação é possível, mas exige investimento, políticas ambientais eficazes e, acima de tudo, um compromisso com a sustentabilidade.