Gestões municipais falham quanto a prevenção dos desastres climáticos
Quando a enchente baixa, não é apenas a lama que fica, evidencia a estrutura revelada em sua crueza: ruas rachadas, sistemas de alerta tardios, gestões locais improvisadas, casas arruinadas por erros antigos e repetidos. Fica o silêncio do poder público onde antes havia promessas de prevenção. A catástrofe climática que devastou o Rio Grande do Sul entre abril e maio de 2024 foi apenas mais um lembrete de que o Brasil ainda caminha de costas para a adaptação climática.


Caos climático
Quase 2,4 milhões de pessoas atingidas. Mais de 90% dos municípios gaúchos em estado de calamidade. R\$ 40 bilhões em prejuízos. E um país comovido pela força solidária que atravessou estados, distribuiu doações, abrigou desconhecidos. A empatia coletiva foi real. Mas é também real o abismo entre essa força da sociedade civil e a fragilidade estrutural da resposta institucional.
O Brasil registrou, em 2024, o maior número de alertas do Cemaden desde o início da série histórica. Ao mesmo tempo, menos de 15% dos mais de 5.500 municípios brasileiros têm um plano municipal de ação climática. A maioria das cidades continua reagindo aos desastres depois que eles acontecem. Enxurradas, deslizamentos, estiagens severas, ondas de calor. Tudo já previsto, mas não prevenido.
Prevenção negligenciada
E é precisamente essa falta de antecipação que cobra o preço mais cruel: vidas perdidas, bairros inteiros evacuados, pequenos comércios que não voltarão, orçamentos municipais drenados para a reconstrução de uma infraestrutura que vai ruir outra vez se nada mudar.
Não se trata de fatalismo. Trata-se de uma escolha política e orçamentária. Trata-se da ausência de um plano nacional robusto que integre prevenção, orçamento e responsabilidade federativa. Trata-se, também, de onde se decide colocar prioridade: na obra visível ou no sistema de drenagem? No viaduto ou na moradia segura para quem vive à beira do barranco?
O risco climático, aliás, não se distribui ao acaso. Ele encontra com precisão as áreas mais precárias, as populações mais vulneráveis, os territórios mais negligenciados. É nessas bordas, nas franjas urbanas onde vivem populações negras, pobres, periféricas, que os alagamentos viram tragédia. O nome disso é racismo ambiental. Um fenômeno persistente e estrutural, que não se desfaz com gestos pontuais.
Interferência na economia
Ao mesmo tempo, o setor privado já sente os abalos da inércia climática. Do agro à logística, do varejo à construção, todos enfrentam prejuízos em cascata: interrupções de operações, quebra de contratos, alta nos seguros, risco reputacional. A falta de planejamento climático virou também um problema econômico. Investidores olham para as cidades e perguntam: onde está o plano? Onde está a previsibilidade?

Sim, há esforços em curso. O Ministério do Meio Ambiente tem fomentado planos locais com recursos do PAC e do Fundo Clima. O Cemaden está ampliando a rede de alerta. Mas o ritmo é lento. E não há integração sistémica desses planos com o ciclo orçamentário. Nem incentivos claros para que o setor privado integre o risco climático em seus modelos de negócio.
Sem planejamento urbano, não há adaptação. Sem justiça social, não há resiliência. Sem política de Estado, não há futuro. A crise climática não é uma hipótese distante. Ela é um fato cotidiano. Cabe agora ao Brasil decidir se vai continuar limpando a lama ou impedir que ela volte a cobrir os mesmos endereços.


































