A primeira leva de combustível sustentável de aviação produzido integralmente no Brasil marca um ponto de virada para o setor aéreo do país. A notícia foi anunciada pela Petrobras, que confirmou a entrega de 3 mil metros cúbicos de SAF a distribuidoras que operam no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. O volume equivale a um dia inteiro de consumo de todos os aeroportos fluminenses, um número simbólico, mas expressivo, por representar a transição do discurso para a ação concreta em sustentabilidade no transporte aéreo nacional.

O SAF produzido pela estatal chega ao mercado com uma vantagem fundamental: ele pode substituir o querosene de aviação tradicional sem exigir qualquer modificação nas aeronaves ou na infraestrutura de abastecimento. Em um setor globalmente pressionado por metas de descarbonização, a possibilidade de adoção imediata torna o produto uma peça estratégica para acelerar a transição climática da aviação.
A presidente da companhia, Magda Chambriard, destacou que o combustível atende aos padrões internacionais e oferece ao mercado brasileiro a chance de entrar em sintonia com as exigências mundiais para voos mais limpos. Para ela, o coprocessamento executado no parque de refino da empresa não é apenas um avanço tecnológico, mas uma resposta pragmática ao desafio de reduzir emissões sem paralisar o crescimento do setor.
Segundo a Petrobras, o SAF é produzido pela incorporação de matéria-prima vegetal – especialmente óleo técnico de milho (TCO) ou óleo de soja – ao querosene fóssil tradicional. Esse processo resulta em um combustível quimicamente idêntico ao querosene convencional, garantindo segurança operacional, mas incorporando uma fração renovável que pode reduzir as emissões líquidas de CO₂ em até 87%. A certificação ISCC-Corsia, concedida ao produto, atesta sustentabilidade e rastreabilidade, atributos indispensáveis no comércio internacional de combustíveis de baixa emissão.
Esse movimento ocorre em um momento em que a aviação global entra em uma fase de adaptação obrigatória. A partir de 2027, as companhias aéreas brasileiras terão de usar SAF em voos internacionais, seguindo as regras do programa Corsia, da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao). No mercado doméstico, a exigência será escalonada pela Lei do Combustível do Futuro, que prevê aumento gradual da participação de combustíveis sustentáveis na aviação nacional. Assim, o lançamento do SAF brasileiro não é apenas inovador: ele antecipa uma necessidade regulatória.

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As primeiras remessas foram fabricadas na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), certificada para produção e comercialização do novo combustível. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) autorizou a Reduc a incorporar até 1,2% de matéria-prima renovável no processo atual de coprocessamento. Embora esse percentual pareça pequeno, representa o início de uma curva de aprendizagem que deve se ampliar nos próximos anos, sobretudo à medida que a infraestrutura industrial se adapte à nova demanda.
A Petrobras também prepara uma ampliação significativa da capacidade de produção. A Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos, já concluiu testes operacionais, enquanto a Refinaria de Paulínia (Replan) e a Refinaria Gabriel Passos (Regap) se preparam para entrar na rota comercial a partir de 2026. Essa expansão responde a um cenário no qual a necessidade por SAF tende a crescer rapidamente, impulsionada tanto pelas obrigações regulatórias quanto pela pressão de mercados e investidores que buscam operações de menor impacto ambiental.
No pano de fundo dessa iniciativa está uma mudança de rumo mais ampla na política energética do país. O anúncio do primeiro SAF integralmente nacional mostra que o Brasil busca ocupar um lugar relevante no mapa global da descarbonização da aviação. O país combina tradição no uso de biocombustíveis, ampla disponibilidade de matérias-primas agrícolas e um parque de refino em processo de modernização. O resultado é um potencial competitivo para oferecer soluções que dialogam com as demandas climáticas internacionais sem abrir mão da força de sua indústria.
Embora o volume inicial ainda seja modesto diante do consumo total do setor, ele inaugura uma nova fase. O primeiro lote produzido no Brasil, entregue ao mercado de forma comercial, sinaliza que o país pretende transformar sua experiência histórica em biocombustíveis em vantagem estratégica para o futuro da aviação. A iniciativa traz implicações econômicas, industriais e ambientais e inaugura um ciclo no qual inovação tecnológica e responsabilidade climática passam a caminhar juntas nas alturas.









































