Nos igarapés e rios amazônicos, invisíveis aos olhos apressados, vivem insetos que carregam segredos valiosos sobre a saúde dos ecossistemas. Mais do que pequenos habitantes das águas, eles funcionam como sentinelas: revelam, por sua presença ou ausência, as condições ambientais de um território. Para aproveitar ao máximo esse potencial, um grupo de 28 pesquisadores de todos os estados da Amazônia Legal desenvolveu um protocolo inédito para padronizar a coleta e o inventário desses organismos.

O documento, publicado no número especial da revista EDUCAmazônia (julho a dezembro de 2025), organiza procedimentos científicos para garantir que os estudos realizados em diferentes áreas possam ser comparados e integrados. A iniciativa responde a um desafio antigo: a falta de padronização nos métodos de coleta, que dificultava a criação de séries temporais e espaciais robustas sobre a biodiversidade aquática.
O papel dos insetos como bioindicadores
O foco do protocolo são cinco grupos de insetos aquáticos — Ephemeroptera, Plecoptera, Trichoptera, Odonata e Heteroptera (EPTOH). Por sua sensibilidade às alterações ambientais, eles são considerados bioindicadores de primeira linha. Mudanças em sua diversidade e abundância refletem com precisão os impactos das atividades humanas e das mudanças climáticas nos rios e igarapés.
Além de integrarem cadeias ecológicas vitais — da decomposição de matéria orgânica ao controle populacional de outras espécies —, esses insetos conectam os mundos aquático e terrestre. Parte de seu ciclo de vida acontece submersa, mas, quando adultos, tornam-se alados, interagindo com outros ambientes e ampliando seu papel ecológico.

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A ciência da padronização
“A padronização é um passo essencial para avançarmos na compreensão da biodiversidade aquática e subsidiarmos políticas públicas de conservação”, explica Leandro Juen, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), bolsista do CNPq e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Síntese da Biodiversidade Amazônica (INCT-SinBiAm). Ao lado da também professora da UFPA e pesquisadora PQ do CNPq Karina Dias Silva, ele liderou a construção do protocolo.
Segundo os autores, esforços de coleta realizados com metodologias diferentes tornam difícil integrar dados de várias regiões e realizar análises em grande escala. A nova proposta reúne desde a descrição detalhada de equipamentos até métricas ambientais, passando por delineamento amostral, métodos de coleta e recomendações práticas para jovens pesquisadores e gestores.
Impactos para pesquisa e políticas públicas
Embora elaborado para a Amazônia, o protocolo pode ser replicado em outros biomas brasileiros e até em diferentes países. A intenção é que ele fortaleça programas de monitoramento como o Peld (Programa Ecológico de Longa Duração), o PPBio (Programa de Pesquisa em Biodiversidade) e o Monitora Aquático do ICMBio.
A adoção da metodologia, ressaltam os pesquisadores, também facilita o trabalho de órgãos ambientais estaduais (SEMAs), do Ibama e do próprio ICMBio. “A padronização permitirá comparações mais confiáveis entre regiões e ao longo do tempo, ampliando nossa capacidade de conservar e restaurar ambientes aquáticos”, reforça Karina Dias.
A força da colaboração científica
O trabalho de quase três dezenas de cientistas evidencia a dimensão coletiva da pesquisa na Amazônia. “A ciência é construída em parcerias. A Amazônia exige esforços colaborativos, porque sua diversidade ambiental é tão grande que apenas múltiplas experiências podem compor um retrato fiel”, afirma Juen.
Essa rede colaborativa não apenas produz conhecimento, mas também forma novos profissionais e fortalece comunidades locais envolvidas no monitoramento de longo prazo. O protocolo, escrito em português acessível, foi pensado justamente para democratizar o acesso e servir de guia a pesquisadores em início de carreira.
Um passo estratégico para a conservação
A padronização científica é mais do que uma questão metodológica: é uma estratégia política e ambiental. Ao permitir diagnósticos mais consistentes, ela fornece as bases para decisões de gestão ambiental, fiscalização e mitigação de impactos em ecossistemas frágeis.
No contexto amazônico, onde rios e igarapés são a espinha dorsal da vida, esse protocolo representa um salto. Ele não apenas ordena práticas de coleta, mas também abre caminho para que a diversidade dos insetos aquáticos se torne aliada na proteção do maior reservatório de biodiversidade do planeta.









































