Protocolos de baixo carbono reposicionam a produção de leite no Brasil
A produção de leite no Brasil entrou definitivamente no radar das estratégias de enfrentamento à crise climática. Em um país onde a agropecuária responde por quase um terço das emissões de gases de efeito estufa, cada ajuste nos sistemas produtivos pode representar um impacto ambiental significativo. É nesse contexto que a Embrapa lançou três novos protocolos técnicos que reorganizam práticas já conhecidas e introduzem métodos mais eficientes para reduzir emissões e ampliar o sequestro de carbono na pecuária leiteira.

Resultado de anos de pesquisa aplicada, os protocolos consolidam evidências científicas em orientações práticas para o campo. Eles atacam diretamente os principais focos de emissão do setor: o metano liberado pelos bovinos, as perdas de nitrogênio no solo na forma de óxido nitroso e amônia, e o baixo aproveitamento do potencial dos solos e pastagens para estocar carbono. Reunidos em um livro de acesso gratuito, publicado pela Embrapa Pecuária Sudeste, os documentos se apresentam como uma bússola técnica para produtores, extensionistas e formuladores de políticas públicas.
Mais do que um manual ambiental, o conjunto de protocolos dialoga com os desafios econômicos da atividade leiteira: eficiência produtiva, redução de custos, resiliência climática e atendimento a um mercado cada vez mais atento à pegada ambiental dos alimentos.
Metano: eficiência produtiva como estratégia climática
O primeiro protocolo se concentra no metano, gás com alto poder de aquecimento global e cuja principal fonte, no Brasil, são os bovinos. Na produção de leite, a emissão ocorre majoritariamente pela eructação, resultado natural da fermentação ruminal. O desafio não é eliminar o processo biológico, mas torná-lo mais eficiente.
Segundo os pesquisadores da Embrapa, a chave está na produtividade. Vacas mais saudáveis, bem alimentadas e geneticamente superiores produzem mais leite ao longo da vida e, assim, diluem a emissão de metano por litro produzido. Estratégias como seleção genética, otimização das dietas, uso criterioso de aditivos, oferta constante de água de qualidade, manejo adequado das pastagens e fortalecimento da sanidade animal compõem um pacote integrado de mitigação.
A pesquisadora Patrícia Perondi Anchão Oliveira destaca que animais doentes ou estressados continuam emitindo metano mesmo quando não produzem leite, o que eleva drasticamente a intensidade de emissão do sistema. Melhorar índices zootécnicos, como intervalo entre partos, idade ao primeiro parto e proporção de vacas em lactação, mostrou reduzir em até 22% as emissões por quilo de leite corrigido, conforme simulações realizadas com ferramentas da própria Embrapa.

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Nitrogênio no solo: menos perdas, mais eficiência econômica
O segundo protocolo desloca o foco para o solo, onde ocorrem emissões silenciosas e economicamente custosas. O óxido nitroso, com potencial de aquecimento quase 300 vezes maior que o dióxido de carbono, e a amônia, que pode se transformar indiretamente em gás de efeito estufa, são subprodutos do manejo inadequado de fertilizantes e dejetos animais.
As boas práticas propostas vão além da mitigação climática. Ao reduzir perdas, elas aumentam a eficiência agronômica e diminuem gastos com insumos. O uso de leguminosas consorciadas com gramíneas, por exemplo, reduz a necessidade de fertilizantes nitrogenados industriais, evitando emissões tanto no campo quanto na fabricação do produto. Cada quilo de fertilizante poupado representa mais de cinco quilos de CO₂ que deixam de ser emitidos no processo industrial.
Outras estratégias incluem a distribuição mais uniforme dos dejetos animais, a adoção de lotação rotativa, o uso de fertilizantes de eficiência aumentada e técnicas que reduzem a volatilização da ureia, como incorporação ao solo e aplicação em condições adequadas de umidade.
Solo e pastagens: o carbono que fica na terra
O terceiro protocolo explora um dos maiores trunfos da pecuária tropical: o potencial dos solos e pastagens para sequestrar carbono. Sistemas bem manejados podem armazenar grandes quantidades de carbono na matéria orgânica do solo, muitas vezes em profundidades superiores a um metro.
Práticas conservacionistas como plantio direto, adubação verde, recuperação e intensificação de pastagens, sistemas integrados lavoura-pecuária-floresta e uso de bioinsumos ampliam esse estoque e aumentam a resiliência do sistema produtivo. Em arranjos com árvores, o efeito é ainda mais expressivo: o crescimento de 52 eucaliptos pode compensar, em um ano, as emissões de uma vaca produzindo 26 quilos de leite por dia.
Além do benefício climático, animais criados em pastagens bem manejadas tendem a apresentar menor estresse térmico e sanitário, fechando um ciclo virtuoso entre produtividade, bem-estar animal e sustentabilidade.
Ciência, política pública e transição produtiva
Para Alexandre Berndt, chefe-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, o principal obstáculo à adoção em larga escala dessas práticas é o custo inicial. A transição exige investimento, planejamento e acesso a crédito. Nesse sentido, políticas públicas como o Plano ABC+ e arranjos envolvendo cooperativas, associações e indústrias de laticínios são decisivos para viabilizar a mudança.
Os protocolos dialogam diretamente com as metas climáticas brasileiras e com os compromissos internacionais assumidos pelo país, além de contribuir para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 13 da ONU, voltado ao combate às mudanças climáticas.
Ao transformar ciência em prática cotidiana, a pecuária leiteira brasileira dá um passo importante para se reposicionar como parte da solução climática, e não apenas como fonte do problema.















































