O Brasil propôs ao mundo un dispositivo financeiro novo, audacioso e com ambição estruturante: o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, conhecido pela sigla TFFF (em inglês “Tropical Forests Forever Facility”). A ideia é simples na essência, poderosa na escala. Em vez de depender exclusivamente de doações públicas e onerosas, o modelo busca criar um fundo de investimento global que remunera quem investe e, ao mesmo tempo, presta conta aos países que abrigam florestas tropicais — gerando renda sustentável para quem conserva a floresta em pé.

O mecanismo surgiu em resposta a uma constatação: países ricos e investidores já tentaram financiar florestas tropicais por meio de doações ou créditos de carbono, mas os fluxos eram imprevisíveis, insuficientes e muitas vezes não alcançavam escalas compatíveis com a urgência climática. O Brasil, que possui cerca de um terço das florestas tropicais do planeta, assumiu a liderança de propor uma saída nova: transformar a preservação florestal em modelo econômico de longo prazo, com participação privada, governança internacional e resultados mensuráveis.
Como o TFFF vai funcionar
O desenho do TFFF prevê que um montante inicial de recursos públicos — cerca de US$ 25 bilhões — seja combinado com captações no mercado financeiro, sobretudo por investidores privados, para formar um “endowment” (fundo patrimonial) de cerca de US$ 125 bilhões. Esse capital seria investido em instrumentos financeiros conservadores, gerando rendimento anual. Desse rendimento, parte é devolvida aos investidores com retorno adequado, e o excedente é canalizado aos países tropicais que mantêm e/ou ampliam suas florestas.
Os países elegíveis — mais de 70 em princípio — receberiam pagamentos em função de quanta floresta mantiverem de pé e como comprovarem, por meio de monitoramento e critérios claros, que não apenas estão evitando o desmatamento, mas investindo em conservação e restauração. O modelo inova ao priorizar “floresta em pé” (standing forest) e recompensas por desempenho, e não simplesmente compensar desmatamento evitado.
Além disso, o TFFF impõe salvaguardas sociais e ambientais: comunidades indígenas e locais devem ser beneficiadas diretamente e participar da governança; o pagamento depende de transparência, boas práticas de monitoramento e verificação externas.

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Por que esse mecanismo interessa
Há três razões principais pelas quais o TFFF atrai atenção — e porque o Brasil o coloca como peça central da sua agenda climática.
Escala e previsibilidade: mercados voluntários de carbono e doações florestais têm receitas oscilantes e insuficientes. O TFFF propõe um fluxo estável, de larga escala, que os países podem considerar como renda regular por conservação.
Alinhamento com justiça socioambiental: ao incorporar comunidades indígenas e tradicionais como parte integrante — destinando percentuais significativos dos recursos para essas populações — o mecanismo busca corrigir uma falha histórica dos programas de conservação.
Integração floresta+economia: florestas tropicais deixariam de ser vistas como obstáculo à produção para se tornarem ativos financeiros estratégicos. O TFFF aposta que conservar pode ter retorno econômico real — transformando hectares em valor.
Desafios e incógnitas
Apesar das inovações, o TFFF enfrentará obstáculos significativos. Primeiro, levantar US$ 125 bilhões exige compromisso firme de governos, investidores e filantropos — e embora países como Reino Unido, Noruega, Alemanha, Emirados Árabes Unidos estejam em discussão, encaixar o aporte total não é trivial.
Segundo, a governança e a verificação são complexas: como garantir que o pagamento ocorra apenas para quem efetivamente conserva, como lidar com riscos de reversão (desmatamento futuro), como estruturar multas ou deduções por perda de floresta. Alguns estudos já questionam se os cálculos de retorno por hectare são realistas.
Terceiro, articulá-lo no contexto de soberanias nacionais e políticas ambientais de cada país exige que o mecanismo respeite legislações, identidades locais e economias diversas — e que a floresta em pé seja valorizada em escala global.
O papel do Brasil
Para o Brasil, o TFFF representa uma oportunidade estratégica. Como país que abriga a imensa Floresta Amazônica e demais biomas tropicais, sediando a COP30 em Belém, o mecanismo eleva seu protagonismo na agenda climática. A iniciativa também se conecta ao seu plano de transformação ecológica — o Novo Brasil – Plano de Transformação Ecológica — colocando desenvolvimento, justiça social e meio ambiente como vetores integrados.
Ao propor que a floresta parada produza valor e que os países que a conservam sejam compensados, o Brasil abre caminho para que conservação e produção não sejam inimigos — mas partes do mesmo processo de transição para uma economia de baixo carbono.
O Fundo Florestas Tropicais para Sempre não é apenas mais um mecanismo de financiamento climático — ele busca redesenhar a forma como o mundo remunera a preservação ecológica e coloca a floresta tropical no centro da economia global do clima. Se bem implementado, pode transformar áreas verdes em fluxos financeiros, comunidades locais em protagonistas e países tropicais em beneficiários de um novo paradigma. O desafio está lançado, mas o Brasil aposta que essa virada será indispensável para alcançar os objetivos climáticos e assegurar que a floresta continue sendo parte viva do planeta — e não apenas recordação.





































