Ação contra queimadas: união de governos é o desafio


Embora o ano de 2025 tenha proporcionado uma trégua nas queimadas, o cenário ainda inspira cautela, especialmente no Cerrado, que concentra a maior parte dos focos. A persistência da estiagem em grande parte do Centro-Oeste e Norte do país, com previsões de se estender até outubro, mantém o alerta máximo. A lembrança dos incêndios devastadores de 2024, que atingiram diferentes biomas, levou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a convocar uma reunião com governadores de estados da Amazônia, Cerrado e Pantanal.

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O objetivo é unificar estratégias para a temporada de fogo, um desafio que, segundo especialistas e o próprio governo, exige uma atuação mais integrada entre as esferas federal, estadual e municipal.

A diminuição dos focos de calor até o momento é atribuída, por pesquisadores, a dois fatores principais: um alívio climático após dois anos de secas excepcionais e a intensificação dos esforços do governo federal e de gestões estaduais em medidas preventivas.

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A aprovação da Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo, há um ano, ajudou a reverter a lógica de combate aos incêndios, priorizando ações preventivas em detrimento das emergenciais.

Apesar da redução em quase todas as regiões do país, o Cerrado se destaca com o maior número de focos de calor, quebrando a tradição em que a Amazônia liderava. De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre 1º de janeiro e 25 de agosto, foram registrados 42.678 focos de queimada no Brasil, uma queda de 60% em relação ao ano anterior. Uma análise do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), da UFRJ, indica que 2025 tem a menor área queimada desde 2017.

O presidente Lula, ao convocar a reunião, mostra que o combate ao fogo continua sendo uma das prioridades do governo. A pauta tem ganhado atenção após a crise de 2024, que colocou a gestão federal sob forte pressão.

Em fevereiro, o Ministério do Meio Ambiente antecipou em dois meses a portaria que identifica as áreas e períodos de risco, permitindo a contratação antecipada de brigadistas. Mesmo com a necessidade de uma atuação conjunta, nem todos os governadores confirmaram presença na reunião.

A urgência da ação conjunta

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Foto: divulgação

A colaboração entre os governos é um dos pontos mais sensíveis no combate às queimadas. O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, já havia alertado para a dificuldade de articulação com estados e municípios para as ações de prevenção.

A ausência de alguns governadores na reunião com o presidente Lula reforça essa preocupação. O governador de Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel, e o do Tocantins, Wanderlei Barbosa, não comparecerão, enviando representantes em seu lugar. O Mato Grosso (6,4 mil), o Maranhão (5,2 mil) e o Tocantins (5,1 mil) lideram o ranking de focos de calor e, juntos, representam 28,9% do total.

Maranhão e Tocantins integram a região do Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que em 2024 concentrou 82% do desmatamento no Cerrado. O governo do Tocantins afirma que já investiu em prevenção, monitoramento e combate, registrando uma queda de 27,7% nos focos de queimadas em relação a 2024.

Já a Secretaria de Meio Ambiente do Maranhão destaca a intensificação de fiscalizações e o monitoramento remoto em tempo real, além de programas de distribuição de equipamentos para brigadistas.

Isabel Schmidt, professora de ecologia da UnB e pesquisadora da Rede Biota Cerrado, ressalta que o sucesso das medidas recentes depende de continuidade e expansão para políticas estaduais e municipais, pois as áreas protegidas pela União representam apenas 10% do território nacional.

A especialista afirma que, embora haja mais recursos e equipamentos do que no ano passado, o desafio é levar o manejo integrado do fogo para as áreas estaduais e privadas, que compõem a maior parte do território.

A estratégia do Ministério do Meio Ambiente prevê o uso de 11 aeronaves para brigadistas, o que representa um aumento de mais de 70% na capacidade de transporte e mais de 100% na capacidade de lançamento de água.

Mais de 800 viaturas também estão à disposição das operações. Além disso, o Fundo Amazônia destinará R$ 150 milhões para ações de prevenção e combate a incêndios no Cerrado e Pantanal, marcando a primeira vez que esses recursos são usados fora da Amazônia. O dinheiro será aplicado em projetos de Manejo Integrado do Fogo e na compra de equipamentos como drones e caminhonetes.

Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Fogo, enfatiza a importância do papel dos prefeitos, já que o fogo ocorre no território e precisa de uma solução local. Ela destaca a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo e o alívio climático como fatores-chave para a diminuição dos focos de calor.

O manejo integrado do fogo é um conceito que utiliza o próprio fogo como ferramenta para prevenir grandes incêndios, queimando de forma controlada áreas secas que serviriam de combustível. Essa abordagem representa uma mudança de paradigma, abandonando a lógica reativa de apenas combater o fogo após o seu início.