Descoberta no Acre reforça combate à doença de Chagas


O Acre, muitas vezes lembrado por sua posição na fronteira amazônica, volta a ganhar visibilidade internacional por meio da ciência. O professor e pesquisador Dionatas Meneguetti, da Universidade Federal do Acre (Ufac), conquistou reconhecimento global com a publicação de um artigo na revista Acta Tropica, da editora Elsevier, um dos periódicos de maior impacto na área de doenças tropicais. O estudo revela novas evidências sobre a doença de Chagas na Amazônia e lança um alerta para autoridades de saúde na região.

Estudo sobre a doença de Chagas na Amazônia foi publicado na revista da editora Elsevier da Holanda, com o .Foto: cedida

A pesquisa nasceu dentro do projeto financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Acre (Fapac), intitulado Amazônia +10 no contexto das doenças negligenciadas: caracterização entomoepidemiológica da doença de Chagas em regiões amazônicas de fronteira (Brasil-Bolívia e Brasil-Peru). Um dos resultados mais significativos foi o registro inédito da presença do inseto Rhodnius montenegrensis no território peruano. Até então, a espécie era conhecida apenas no Brasil e na Bolívia. Com a descoberta, o número de triatomíneos catalogados no Peru saltou de 18 para 19, ampliando também a lista de países com circulação confirmada desse vetor.

Mais do que um dado taxonômico, o achado revela implicações preocupantes para a saúde pública. Análises mostraram que os insetos estavam infectados pelo Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, e que haviam se alimentado de sangue humano em áreas periurbanas. Esse dado acende um sinal de alerta para programas de controle de vetores, tanto no Peru quanto no Brasil, já que evidencia a circulação ativa do parasita em regiões de fronteira e com alta mobilidade populacional.

“Esse resultado não é apenas a descrição de uma nova ocorrência. Ele demonstra que os insetos estão em contato direto com seres humanos, em uma área de divisa internacional, o que reforça a urgência em intensificar a vigilância epidemiológica”, afirmou o pesquisador Dionatas Meneguetti.

A publicação na Acta Tropica é apenas o primeiro fruto do projeto. Segundo Meneguetti, outros artigos estão em fase de submissão e escrita, trazendo dados que poderão aprofundar o conhecimento sobre a ecologia dos vetores e estratégias de prevenção da doença. O cientista ressalta que nada disso seria possível sem o financiamento da iniciativa Amazônia +10, que viabilizou os custos de deslocamento até regiões de difícil acesso e a aquisição de insumos laboratoriais essenciais.

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Besouro Barbeiro, causador da doença de Chagas – Josué Damacena/Fiocruz/Divulgação

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O investimento, de R$ 1,07 milhão, foi construído em parceria entre a Fapac, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O trabalho também reúne esforços da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), consolidando uma rede científica que ultrapassa fronteiras estaduais e nacionais.

Para o presidente da Fapac, Moisés Diniz, o destaque internacional do estudo é a prova concreta de que o investimento em ciência na Amazônia é estratégico para o futuro da região. “Este resultado mostra que quando apoiamos nossos pesquisadores, devolvemos à sociedade conhecimento que salva vidas. O Acre passa a figurar no mapa da ciência mundial não apenas como guardião da floresta, mas também como produtor de inovação científica relevante para a saúde pública”, afirmou.

A iniciativa Amazônia +10, idealizada pelo Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), foi lançada em 2022 com o objetivo de estimular projetos de ciência, tecnologia e inovação que dialogassem diretamente com os desafios amazônicos. A primeira chamada atraiu mais de 500 pesquisadores em 20 estados brasileiros. No total, 39 projetos em rede foram selecionados, com investimento superior a R$ 41 milhões. No Acre, seis propostas foram aprovadas, mobilizando R$ 553 mil, dos quais R$ 200 mil foram aportados pela Fapac e R$ 353 mil pelo CNPq.

O estudo de Meneguetti é um exemplo claro de como a Amazônia, quando apoiada por políticas de fomento, pode produzir ciência de impacto global. Mais do que contribuir para a literatura científica, a pesquisa fornece dados estratégicos para programas de saúde pública, ajuda a mapear riscos de transmissão da doença de Chagas e fortalece o papel da região como protagonista na produção de conhecimento.

A descoberta, realizada em uma das áreas mais sensíveis do continente — a tríplice fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia —, mostra que o combate a doenças negligenciadas depende de uma visão integrada, que une pesquisa, financiamento público e cooperação internacional. A ciência feita na Amazônia prova, assim, que é possível transformar desafios locais em descobertas de alcance global.