A entrada em vigor dos novos padrões internacionais de sustentabilidade, estabelecidos pelas normas IFRS S1 e S2 do International Sustainability Standards Board (ISSB), promete reformular profundamente a forma como empresas são avaliadas pelos mercados financeiros. Este marco, que será inaugurado com os relatórios da Vale e Renner em setembro de 2024, representa uma resposta à demanda por maior transparência e padronização na incorporação de fatores ambientais, sociais e de governança (ESG) nas estratégias corporativas.
Com 56 jurisdições globais adotando os novos padrões, incluindo o Brasil, as normas IFRS S1 e S2 obrigarão empresas de capital aberto a conectar dados de sustentabilidade às demonstrações financeiras, apresentando impactos no curto, médio e longo prazo. Essa abordagem integrada é uma evolução das diretrizes anteriores, como o TCFD (Task Force on Climate-Related Financial Disclosures) e o SASB (Sustainability Accounting Standards Board), que não exigiam essa interligação tão detalhada.
O Impacto nos Modelos de Valuation
A inclusão de riscos e oportunidades ligados à sustentabilidade nos relatórios corporativos oferece uma nova dimensão para analistas e investidores avaliarem as empresas. Com os novos relatórios, fatores como emissões de carbono, dependência de recursos naturais e resiliência a mudanças climáticas passarão a influenciar os modelos de valuation.
“A sustentabilidade deixa de ser uma questão ética e passa a ser um fator determinante na análise fundamentalista. Os elementos que compõem a equação de valor mudam e seus pesos também”, explica José Pugas, diretor de sustentabilidade da Régia Capital. Para a gestora, que utiliza cerca de 140 indicadores em seus modelos, os relatórios permitirão penalizar ou valorizar empresas com base na gestão de riscos ambientais.
Por exemplo, a exposição ao desmatamento, que antes era tratada como um risco qualitativo, agora pode ser quantificada e integrada à precificação dos ativos. Segundo Pugas, isso traz maior responsabilidade para a governança corporativa e amplia a sofisticação das avaliações.
A Confiança e o Combate ao Greenwashing
Os novos padrões também abordam uma das principais críticas ao mercado ESG: o greenwashing. Pesquisa da PwC em 2023 revelou que 94% dos investidores globais acreditam que há algum nível de informação enganosa nos relatórios de sustentabilidade, com esse número subindo para 98% no Brasil. Ao exigir conexões claras entre as metas de sustentabilidade e os resultados financeiros, as normas IFRS S1 e S2 prometem elevar a credibilidade das informações.
Renato Tucci, sócio do Itaú Asset, destaca que os relatórios permitirão um engajamento mais pragmático com as empresas. “Com dados robustos, poderemos integrar de forma mais eficaz os riscos e oportunidades de sustentabilidade nos modelos de investimento. Isso aumenta a confiança e reduz o risco de greenwashing”, afirma.
Adaptação Corporativa e Desafios
Para as empresas, os novos padrões representam não apenas uma obrigação regulatória, mas também um desafio contábil significativo. A Vale, por exemplo, tem conduzido exercícios para estimar os impactos de fatores como legislações ambientais e taxas de carbono em seu EBITDA ajustado, que hoje gira em torno de US$ 19 bilhões. Esses relatórios serão ampliados para incluir uma análise mais abrangente de riscos e oportunidades.
A Renner também começou a incorporar essas métricas. Um exemplo foi o impacto de uma possível taxa de carbono sobre o lucro de um modelo de calça, que resultou em uma redução de 6%. Esses cenários simulados demonstram como as emissões, principalmente nos escopos 1 e 2, passam a ser elementos centrais na análise de valor das empresas.
Formação de Analistas e Recalibração de Modelos
A integração dos novos padrões também desafia a formação dos analistas financeiros. A Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais) estuda incluir as normas IFRS S1 e S2 nos requisitos para a certificação CNPI, obrigatória para analistas no Brasil. Isso visa preparar os profissionais para lidar com as novas demandas do mercado.
Maria Eugenia Buosi, da KPMG, destaca que os investidores precisarão recalibrar seus modelos de avaliação. “Com os dados estruturados, os investidores terão mais subsídios para considerar riscos antes ignorados. A integração será inevitável, mesmo que os modelos de valuation ainda variem entre analistas”, pontua.
Tendências Futuras e Impactos no Mercado
A adoção das normas IFRS S1 e S2, aliada à regulação do mercado de carbono e à nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, reforça a tese de investimento ESG para os próximos anos. Gestoras como a Régia Capital apostam nas “finanças de transição”, com maior atuação ativa nos fundos.
No Itaú BBA, as estratégias incluem a seleção de empresas best-in-class (com alto nível de conformidade ESG) e best-in-progress (com boa evolução em métricas sustentáveis). Essa abordagem, combinada com a maior padronização dos relatórios, pode atrair mais investimentos para o mercado brasileiro, ainda pequeno em termos de alocação ESG (0,24% do patrimônio dos fundos, comparado a 50% na Europa).
Os índices temáticos, como MSCI ESG, ICO2 e ISE, também devem ganhar relevância como ferramentas complementares para investidores, mas não substituem uma análise detalhada dos relatórios financeiros e de sustentabilidade.
A introdução dos padrões IFRS S1 e S2 representa uma transformação paradigmática na avaliação de empresas. Com maior transparência e integração de fatores ESG, os relatórios oferecem uma base mais robusta para análises financeiras e atraem investidores interessados em modelos de negócio resilientes e sustentáveis. Embora os desafios sejam significativos, tanto para empresas quanto para analistas, as oportunidades para o mercado são igualmente promissoras. A sustentabilidade, agora mais do que nunca, não é apenas uma questão de responsabilidade social, mas um pilar essencial para a criação de valor a longo prazo.