Saneamento universal pode poupar bilhões em saúde no Brasil


Universalizar o acesso ao saneamento básico no Brasil não é apenas uma meta de infraestrutura, mas uma oportunidade econômica e social de grande impacto. De acordo com estudo do Instituto Trata Brasil, a universalização poderia gerar até 2040 uma economia de R$ 25 bilhões em gastos com saúde pública, além de movimentar R$ 1,5 trilhão em diferentes setores da economia. Mesmo após o desconto dos custos de investimento, o saldo positivo estimado chega a R$ 815 bilhões.

Juliana Maia/Prefeitura Belém (PA)

Esse cenário parte de uma realidade ainda marcada pela desigualdade no acesso. Em 2024, apenas 56% da população brasileira tinha acesso à coleta de esgoto. As consequências dessa deficiência foram evidentes: 344 mil internações hospitalares provocadas por doenças relacionadas ao saneamento inadequado, com um custo de R$ 174,3 milhões aos cofres públicos. Crianças de até quatro anos e idosos, grupos mais vulneráveis, representaram 43,5% dessas hospitalizações.

A lista de enfermidades associadas à falta de saneamento é conhecida, mas persiste como um problema contemporâneo. Diarreia, hepatite A e leptospirose figuram entre as mais comuns, mas há também surpresas preocupantes: em 2024, o Brasil voltou a registrar casos de cólera, doença considerada erradicada do território nacional havia quase duas décadas. Esse retrocesso revela que a precariedade da infraestrutura sanitária continua a ameaçar conquistas históricas em saúde pública.

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Foto: Pablo Porciuncula

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O novo marco legal e as mudanças no setor

A perspectiva de mudança ganhou impulso em 2020, com a aprovação do novo marco legal do saneamento, que estabeleceu a meta de universalizar o acesso à água potável e ao tratamento de esgoto até 2033. A legislação trouxe inovações importantes, como a ampliação da participação da iniciativa privada, novas regras de regulação e mecanismos de fiscalização mais rigorosos.

Segundo o Abcon Sindcon, que reúne concessionárias privadas de serviços de água e esgoto, os efeitos já começam a ser sentidos: desde 2021, mais de 6,3 milhões de domicílios foram conectados à rede de água tratada, enquanto outros 6,1 milhões passaram a contar com coleta de esgoto. Esses números indicam que a engrenagem do setor está em movimento, embora ainda distante do objetivo final.

A universalização do saneamento não representa apenas um alívio para os sistemas de saúde. Como destaca Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil, os impactos positivos se espalham por diversos setores. Pessoas com acesso a serviços de saneamento adoecem menos, o que resulta em maior produtividade no trabalho e menor absenteísmo. Obras de infraestrutura elevam o valor de imóveis e terrenos, gerando ganhos patrimoniais para famílias e municípios. Praias e rios limpos tornam-se mais atrativos para turistas, ampliando receitas locais.

Há também o efeito multiplicador das próprias obras. Cada trabalhador contratado para instalar redes de água e esgoto injeta parte de sua renda na economia regional, consumindo em restaurantes, alugando imóveis e comprando produtos locais. Trata-se de um círculo virtuoso em que o investimento inicial retorna em forma de empregos, renda e dinamismo econômico.

A economia como aliada da saúde pública

Os dados evidenciam que investir em saneamento básico é uma política pública de alta rentabilidade social. O valor de R$ 25 bilhões economizados em saúde até 2040 representa apenas uma fração dos benefícios. Ao se reduzir a incidência de doenças relacionadas à falta de infraestrutura sanitária, o Estado libera recursos que poderiam ser direcionados para outras áreas prioritárias, como educação, ciência e inovação.

A persistência de casos de doenças como cólera e leptospirose em pleno século XXI contrasta com o potencial que o Brasil possui para transformar sua realidade. O país já mostrou, em experiências locais, que o saneamento pode ser vetor de qualidade de vida e desenvolvimento econômico. A diferença, agora, será ampliar essas experiências para todo o território, respeitando particularidades regionais e garantindo mecanismos de financiamento sustentáveis.

O desafio é imenso, mas os números indicam que vale a pena enfrentá-lo. A universalização do saneamento é mais do que uma promessa legal: é um caminho para salvar vidas, reduzir desigualdades e gerar crescimento econômico. O Brasil, ao perseguir a meta de 2033, tem a chance de dar um salto civilizatório que impactará gerações. O custo da omissão é alto demais, medido em vidas perdidas, doenças evitáveis e recursos desperdiçados. O benefício da ação, por outro lado, se projeta como um legado de saúde, dignidade e prosperidade.