Na várzea fértil do Rio Guamá, onde o açaí cresce em abundância e sustenta modos de vida ancestrais, um novo ciclo de autonomia econômica começa a se desenhar para os Tembé Tenetehara. Trinta e nove indígenas das aldeias Frasqueira e São Pedro, localizadas na Terra Alto Rio Guamá, em Santa Luzia do Pará, devem acessar, até o primeiro semestre de 2026, mais de R$ 1,8 milhão em financiamento rural. O recurso foi estruturado a partir de projetos elaborados pelo escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater), que há seis décadas atua como ponte entre políticas públicas e os povos do campo.

O crédito será destinado ao manejo do açaizal de uso múltiplo que, para os Tembé, jamais se resume ao fruto comercializado nas feiras paraenses. O açaí é uma espécie de matriz cultural: seu caroço, palha e palmito abastecem tanto a alimentação quanto o artesanato, mantendo vivas tradições que se aperfeiçoam sem romper os vínculos com a floresta. A aposta da Emater em um projeto dessa escala busca justamente fortalecer essa integração entre saber tradicional e valorização econômica da biodiversidade.
O financiamento pertence à linha A do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), operada pelo Banco do Brasil, e se destina a iniciativas produtivas conduzidas por famílias em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica. Para os Tembé, o processo teve início em 2 de dezembro, em meio à programação da Semana Paraense da Extensão Rural. A comemoração marca tanto os 60 anos da Emater quanto o Dia Nacional do Extensionista Rural — uma data simbólica para uma instituição que, historicamente, atua como mediadora entre diferentes formas de produzir e habitar os territórios.
Alan Péricles Amaral, supervisor regional da Emater em Capanema, vê no projeto um marco inédito. Segundo ele, trata-se da maior iniciativa de Pronaf A voltada especificamente para povos indígenas no Pará. Amaral, engenheiro florestal e mestre em Ciências Florestais, destaca que a extensão rural não se limita ao apoio técnico: ela fortalece a cultura indígena ao reconhecer que autonomia econômica e identidade territorial caminham juntas. Para os Tembé, isso significa ampliar a diversificação produtiva, consolidar práticas sustentáveis e manter o protagonismo sobre os recursos da floresta.
O manejo do açaizal na várzea exige atenção constante ao ciclo das marés, à regeneração natural das touceiras e ao equilíbrio ecológico que garante a produção ano após ano. A comunidade acumula esse conhecimento há gerações, e o recurso do Pronaf permitirá aprimorar técnicas, investir em infraestrutura mínima e organizar etapas de beneficiamento. O objetivo não é transformar a floresta em monocultura, mas reforçar um modelo de produção que se apoia na diversidade biológica e cultural do território.

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A Semana Paraense da Extensão Rural também marcou outras entregas importantes para agricultores familiares da região nordeste do estado. A Emater distribuiu 38 Cadastros Ambientais Rurais (CARs) e 108 Cadastros Nacionais da Agricultura Familiar (CAFs) em municípios como Bragança, Capanema, Cachoeira do Piriá, Primavera, Peixe-Boi, Quatipuru, Ourém, Nova Timboteua, Salinópolis, Santarém Novo e Viseu. Os documentos são essenciais para acessar políticas públicas, regularizar propriedades e participar de programas que integram produção, conservação ambiental e segurança alimentar.
Essas ações, embora distintas, convergem para um cenário maior: o de fortalecimento de iniciativas produtivas que dialogam com a sustentabilidade e valorizam a organização comunitária. O caso dos Tembé é emblemático porque demonstra que a inclusão financeira de povos tradicionais depende de políticas que respeitam seus modos de vida. Ao investir em sistemas agroflorestais e cadeias baseadas na sociobiodiversidade, a extensão rural amplia oportunidades sem romper com as dinâmicas próprias de cada povo.
Mais que um repasse financeiro, o acesso a R$ 1,8 milhão representa a abertura de um ciclo de desenvolvimento pensado a partir da floresta e não em oposição a ela. É um reconhecimento de que o futuro do Pará — e do país — também se constrói fortalecendo economias que brotam de saberes tradicionais e de relações equilibradas com os ecossistemas amazônicos. Para os Tembé Tenetehara, é uma chance de seguir cultivando o açaí e múltiplas formas de vida que dele dependem, com autonomia ampliada e segurança para olhar adiante.







































