Após um breve período de respiro, a Terra Indígena Munduruku, no sudoeste do Pará, volta a figurar entre as áreas mais pressionadas pelo desmatamento na Amazônia. Entre abril e junho de 2025, o território liderou o ranking das terras indígenas com mais registros de derrubada de floresta, segundo o relatório Ameaça e Pressão de Desmatamento em Áreas Protegidas, elaborado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

O levantamento mostra uma reversão preocupante. Após uma operação de desintrusão concluída em janeiro — que havia retirado invasores e reduzido a devastação —, o território voltou a sofrer novas investidas. A pesquisadora do Imazon, Bianca Santos, alerta que as ações pontuais não bastam para garantir a proteção contínua da floresta e de seus povos. “Para gerar um efeito duradouro, é importante fortalecer a presença do Estado e envolver as próprias comunidades indígenas nas estratégias de preservação. Além disso, é essencial assegurar que os responsáveis por esses crimes sejam responsabilizados”, destaca.
Um retorno indesejado da devastação
Durante o primeiro trimestre do ano, a Terra Indígena Munduruku havia ficado fora do ranking das áreas mais ameaçadas, resultado direto da operação de fiscalização. No entanto, o segundo trimestre trouxe nova escalada da destruição: seis células de 10 por 10 quilômetros registraram desmatamento dentro dos limites da TI.
O relatório do Imazon utiliza uma metodologia distinta dos levantamentos que medem apenas o total desmatado. O território da Amazônia Legal é dividido em pequenas células, e a análise considera tanto o desmatamento dentro das áreas protegidas (pressão) quanto o desmatamento em torno delas, em um raio de até 10 quilômetros (ameaça). Essa abordagem permite antecipar focos de destruição e direcionar as ações de fiscalização antes que a devastação avance sobre os territórios.
“Nosso objetivo é oferecer uma leitura preventiva. Quando há desmatamento no entorno, significa que a floresta dentro da área protegida está em risco iminente”, explica Bianca. A lógica é simples: quanto maior a presença de derrubada ao redor, maior a probabilidade de que a fronteira do desmatamento avance.

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Pará volta ao centro da crise ambiental
A volta da pressão sobre a TI Munduruku não é um caso isolado. O relatório mostra que o Pará continua como epicentro da devastação amazônica. Entre abril e junho, o estado concentrou seis dos dez territórios protegidos mais pressionados da Amazônia. A Área de Proteção Ambiental Triunfo do Xingu lidera a lista com 15 células de desmatamento dentro de seus limites — reflexo da expansão ilegal da pecuária e da grilagem de terras públicas.
No total, o Pará apresenta um mosaico de vulnerabilidades: terras indígenas, unidades de conservação estaduais e federais sofrem simultaneamente com invasões, queimadas e exploração ilegal de madeira. Mesmo com operações recentes de repressão, a falta de fiscalização contínua e de presença institucional no território cria brechas que rapidamente são ocupadas por novos agentes de destruição.
Amazonas lidera entre os territórios ameaçados
Enquanto o Pará concentra os territórios mais pressionados, o Amazonas aparece à frente quando se trata das áreas mais ameaçadas — aquelas cercadas por desmatamento crescente. O Parque Nacional Mapinguari (AM/RO) e a Reserva Extrativista Chico Mendes (AC) encabeçam o ranking, ambos com 21 células de devastação ao redor de seus limites.
Entre as terras indígenas, a TI Jacareúba/Katawixi, também no Amazonas, é a mais ameaçada, com dez células de desmatamento detectadas em sua zona de amortecimento. A expansão do desmate nessas bordas evidencia que as fronteiras de proteção ambiental estão sob ataque e que a floresta, mesmo dentro das áreas oficialmente protegidas, segue vulnerável.
O desafio da vigilância contínua
Os dados reforçam um ponto central: combater o desmatamento exige mais do que operações pontuais ou ações emergenciais. É preciso continuidade, presença territorial e coordenação entre órgãos ambientais e comunidades locais. As experiências de monitoramento participativo, que envolvem guardiões indígenas e vigilância comunitária, têm se mostrado eficazes quando acompanhadas de políticas públicas consistentes.
Sem essa estrutura, cada operação tende a ser apenas uma pausa na devastação — e não uma reversão do processo. “As ações de campo são fundamentais, mas precisam ser sustentadas por políticas de longo prazo. O desmatamento é dinâmico e se desloca rapidamente para áreas menos fiscalizadas”, observa Bianca.
O caso da Terra Indígena Munduruku resume um dilema recorrente na Amazônia: o ciclo entre avanço, repressão e retorno da destruição. Enquanto o Estado alternar entre presença temporária e ausência prolongada, a floresta seguirá sendo alvo fácil da exploração ilegal.
Mais do que números em um relatório, as “células de desmatamento” representam florestas, rios e vidas indígenas ameaçadas. Reverter essa tendência é um desafio que exige persistência — e um compromisso duradouro com a proteção da Amazônia e de seus povos.


































