Territórios sustentáveis: uma solução amazônica para os biomas do Brasil


À medida que o mundo se prepara para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que acontecerá em novembro em Belém, a Amazônia volta a ocupar o centro do debate global. Mais do que um tema simbólico na agenda climática, a região pode se tornar o berço de um modelo inovador de desenvolvimento: a criação de territórios sustentáveis, proposta que busca integrar conservação ambiental e prosperidade socioeconômica.

Foto: Bruno Cecim / Ag.Pará

Segundo os pesquisadores Ima Vieira (Museu Paraense Emílio Goeldi) e José Maria Cardoso (Universidade de Miami), a Amazônia reúne condições únicas para inaugurar esse projeto, que pode futuramente ser expandido para outros biomas brasileiros. A ideia, defendida em artigos científicos e agora em debates públicos, parte de um princípio simples e transformador: é preciso equilibrar duas infraestruturas — a ecológica e a socioeconômica.

A infraestrutura ecológica representa os serviços prestados pelos ecossistemas — desde a regulação climática até a fertilidade dos solos e a disponibilidade de água. Já a infraestrutura socioeconômica reúne os sistemas criados pelas sociedades humanas para transformar esses serviços em bens e oportunidades. O desafio é articular esses dois eixos de forma a gerar riqueza sem destruir a base natural que sustenta a vida.

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Reprodução – Ag. Pará

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O projeto dos territórios sustentáveis não surge do zero. Em artigo publicado na revista Trends in Ecology & Evolution, Vieira e Cardoso detalham um conjunto de medidas capazes de impulsionar esse modelo. Entre elas, estão a expansão e descentralização do sistema regional de ciência, tecnologia e inovação; a gestão eficiente das áreas protegidas e das Terras Indígenas (TIs); a transformação de terras públicas ainda não destinadas em Unidades de Conservação (UCs) e TIs; a ampliação das Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs); além da recuperação de áreas degradadas e da modernização dos mecanismos de governança territorial.

A proposta prevê a criação de 85 territórios sustentáveis somente na Amazônia brasileira, com potencial de se tornar um programa nacional. Isso permitiria a formulação de políticas públicas em escala sistêmica, indo além de iniciativas isoladas ou setoriais. Para funcionar, o projeto depende de uma cultura política voltada para o trabalho colaborativo entre diferentes níveis de governo, comunidades locais e instituições científicas, sempre com foco em microrregiões e mesorregiões.

Experiências já existentes mostram que esse caminho é possível. A gestão por bacias hidrográficas em diferentes estados brasileiros e o Macrozoneamento da Amazônia Legal são exemplos de políticas que superam as barreiras das divisões político-administrativas tradicionais. Essas iniciativas oferecem visões mais integradas dos territórios, levando em conta conflitos socioambientais reais e permitindo decisões de longo prazo.

Os cientistas enfatizam que a construção de territórios sustentáveis depende de mais do que instrumentos de planejamento. É essencial ampliar os investimentos em ciência, tecnologia e inovação e, sobretudo, articular o conhecimento acadêmico com os saberes dos povos indígenas e das comunidades tradicionais. Essa troca fortalece a governança local e garante que soluções sejam enraizadas nas realidades sociais e culturais da Amazônia.

O uso de técnicas modernas de planejamento sistemático da conservação permite definir com clareza quais áreas devem ser destinadas à proteção ou à restauração, sempre com flexibilidade para se adaptar às necessidades humanas. Em paralelo, os avanços da engenharia oferecem novas formas de reduzir o impacto da infraestrutura socioeconômica, aumentando a eficiência no uso de recursos e de território.

A proposta dos territórios sustentáveis mostra que a Amazônia não precisa ser vista apenas como um bioma ameaçado, mas como um laboratório vivo de soluções globais. A região pode oferecer ao Brasil, e ao mundo, um modelo de desenvolvimento que alia justiça social, inovação tecnológica e proteção ambiental. Mais do que nunca, essa agenda precisa sair do papel e transformar o modo como o país cuida de seus biomas.