Em um laboratório da Universidade da Califórnia em Davis, cientistas deram um passo que pode transformar a forma como a humanidade produz alimentos. O grupo coordenado pelo professor Eduardo Blumwald desenvolveu plantas de trigo capazes de estimular a produção do próprio fertilizante, reduzindo drasticamente o uso de insumos químicos e abrindo caminho para uma agricultura mais sustentável, acessível e menos poluente.

A descoberta, descrita recentemente na Plant Biotechnology Journal, representa uma resposta concreta a um dilema global: como alimentar bilhões de pessoas sem sufocar o planeta com excesso de fertilizantes nitrogenados. Em 2020, segundo a FAO, foram produzidos mais de 800 milhões de toneladas de fertilizantes. O problema é que apenas 30% a 50% do nitrogênio aplicado nas lavouras é aproveitado pelas plantas. O restante escorre para rios e lagos, alimentando marés de algas que matam peixes e sufocam ecossistemas aquáticos, ou escapa para a atmosfera na forma de óxido nitroso, um gás de efeito estufa até 300 vezes mais potente que o dióxido de carbono.
O segredo está na química do solo
O diferencial do trabalho da equipe de Blumwald foi mudar a lógica. Durante décadas, cientistas tentaram fazer com que cereais como trigo, milho e arroz desenvolvessem nódulos semelhantes aos das leguminosas, onde bactérias fixadoras de nitrogênio vivem em simbiose. Mas a tentativa sempre esbarrou em barreiras biológicas. O grupo de Davis decidiu seguir outro caminho: não importa onde as bactérias estão, contanto que o nitrogênio fixado chegue até a planta.
O desafio era proteger a enzima nitrogenase, responsável por transformar o nitrogênio do ar em amônia. Essa proteína só funciona em ambientes com pouquíssimo oxigênio, mas as raízes das plantas precisam justamente de oxigênio para crescer. A solução encontrada foi induzir as bactérias do solo a formarem biofilmes, uma espécie de película protetora que cria microambientes de baixa oxigenação. Ali, a nitrogenase pode atuar sem ser inibida, e o resultado é a produção natural de fertilizante ao alcance das raízes.

Para induzir a formação desses biofilmes, os pesquisadores vasculharam um arsenal de 2.800 compostos naturais produzidos pelas plantas. Após anos de investigação, descobriram que a apigenina, um tipo de flavonoide, tinha a capacidade de estimular esse processo. Usando a ferramenta de edição genética CRISPR, modificaram plantas de trigo para produzir quantidades extras dessa substância. O excesso de apigenina liberado pelas raízes passou a atuar como um “sinal químico” para as bactérias, disparando a formação de biofilmes protetores e garantindo o funcionamento da nitrogenase.
Nos experimentos, os trigos modificados apresentaram maior produtividade mesmo quando cultivados em solos com pouquíssima adubação nitrogenada, provando que a estratégia funciona.
Impacto econômico e social
A inovação pode ter efeitos de grande alcance. Apenas nos Estados Unidos, agricultores gastaram quase 36 bilhões de dólares em fertilizantes em 2023, segundo o Departamento de Agricultura. Uma redução de apenas 10% nesse uso representaria uma economia superior a 1 bilhão de dólares por ano.
Nos países em desenvolvimento, o impacto pode ser ainda mais transformador. Em regiões da África, por exemplo, pequenos produtores simplesmente não utilizam fertilizantes por falta de recursos, o que limita drasticamente a produtividade. “Imagine cultivar plantas que produzem o adubo de que precisam, naturalmente. É uma mudança radical”, afirma Blumwald.
O trabalho com trigo se soma a pesquisas anteriores do grupo com arroz e abre caminho para expandir a tecnologia a outros cereais fundamentais para a segurança alimentar, como milho, sorgo e milheto. Uma patente foi solicitada pela Universidade da Califórnia, e a pesquisa conta com apoio da Bayer Crop Science, da Will Lester Foundation e da Grantham Foundation.
Se bem-sucedida em larga escala, essa biotecnologia pode redesenhar o mapa da agricultura global. De um lado, promete ganhos econômicos bilionários para produtores e redução da poluição ambiental. De outro, aponta para uma revolução silenciosa na luta contra a fome, ao oferecer uma alternativa viável de adubação natural para agricultores em condições de vulnerabilidade.
Mais do que um avanço científico, a descoberta do trigo que fabrica seu próprio fertilizante é um convite a repensar a relação entre tecnologia, natureza e segurança alimentar no século XXI.













































