Vale entre expansão e turbulência interna: nova licença em Carajás e saída de executiva reacendem debates


O que é o Projeto Serra Sul +20 Mtpa

Divulgação

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) surgiu em 2014 com a aprovação da Lei nº 13.019. Seu objetivo foi estabelecer um regime jurídico claro e transparente para a relação entre governo e entidades do terceiro setor, promovendo mais confiança, autonomia e eficiência na execução de políticas públicas. Em vez de uma relação burocrática e distante, o MROSC propõe cooperação, criando mecanismos que conciliam segurança jurídica com a valorização do papel da sociedade civil.

Mais de uma década após sua criação, o governo federal oficializa um novo capítulo dessa trajetória. Nesta terça-feira (10), o Conselho Nacional de Fomento e Colaboração (Confoco) realizou sua décima reunião ordinária no Palácio do Planalto e marcou o encontro com a entrega do Manual do MROSC, um guia prático e acessível para gestores e organizações. O evento contou com a presença do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Márcio Macêdo, que destacou a retomada de uma agenda interrompida nos últimos anos. “Este manual é uma construção coletiva. Ele amplia a capacidade de ação do Estado, assegura transparência e fortalece a democracia participativa”, afirmou.

Expansão da Vale em Carajás

A licença concedida pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) dá luz verde para a etapa decisiva do Serra Sul +20 Mtpa, projeto avaliado em US$ 2,8 bilhões. Segundo a mineradora, 57% do orçamento já foi executado e o progresso físico alcança 77%. O cronograma prevê início do comissionamento no segundo semestre de 2026.

Localizada no Sistema Norte, a mina S11D é considerada uma das maiores operações de minério de ferro do mundo e peça central da estratégia de exportação da Vale. A expansão prevê abertura de novas áreas de lavra, instalação de um britador semimóvel, duplicação da correia transportadora de longa distância e implantação de novas linhas de processamento.

O anúncio reforça a posição do Brasil como protagonista no mercado internacional de minério de ferro, num momento em que a demanda global oscila com a desaceleração da China, mas mantém relevância estratégica no abastecimento de indústrias siderúrgicas. Para a Vale, o projeto é também uma resposta ao mercado, que pressiona por ganhos de eficiência e estabilidade após anos marcados por crises ambientais e reputacionais.

vale-400x258 Vale entre expansão e turbulência interna: nova licença em Carajás e saída de executiva reacendem debates
Divulgação

VEJA TAMBÉM: Vale reduz capex e aposta em eficiência na transição energética

Polêmica sobre diversidade e saída de executiva

Enquanto celebra avanços operacionais, a mineradora enfrenta desgaste na área de gestão de pessoas. Catia Porto, contratada em dezembro de 2024 após a chegada de Gustavo Pimenta à presidência, deixou a vice-presidência executiva de Pessoas menos de um ano após assumir o cargo. O nome da executiva já não aparece na página de lideranças da empresa, e a Vale não comentou oficialmente a saída.

A passagem de Porto pela mineradora foi marcada por controvérsia. Em postagens nas redes sociais, a executiva afirmou que a chamada cultura “woke” estaria perdendo espaço nas empresas, em referência a políticas de diversidade, equidade e inclusão. Para ela, haveria uma substituição dessas práticas por um foco em mérito, desempenho e habilidades intelectuais. As declarações geraram repercussão negativa e foram posteriormente apagadas.

O termo “woke”, originalmente ligado a movimentos antirracistas e de justiça social nos Estados Unidos, tornou-se rótulo pejorativo usado em críticas a políticas afirmativas e corporativas de inclusão. A repercussão expôs tensões internas sobre como a mineradora deve lidar com diversidade num cenário global em que investidores, governos e a própria sociedade cobram posturas mais consistentes.

Desafios de governança e imagem corporativa

A coincidência temporal entre a licença de Carajás e a saída da executiva lança luz sobre a encruzilhada da Vale. De um lado, a companhia busca se consolidar como líder global no fornecimento de minério de ferro, com investimentos bilionários e operações cada vez mais robustas. De outro, ainda carrega o peso das tragédias de Mariana e Brumadinho e precisa mostrar que aprendeu com os erros, não apenas na engenharia e na gestão ambiental, mas também no cuidado com pessoas, cultura corporativa e reputação internacional.

A empresa aposta no Serra Sul +20 Mtpa para garantir receita e competitividade nos próximos anos. Mas, em paralelo, precisa reconstruir a confiança de acionistas e sociedade em sua governança. A saída de Catia Porto, ainda que silenciosa, sugere que o caminho para conciliar crescimento econômico e valores sociais segue sendo um dos maiores desafios da mineradora.

Assim, os acontecimentos desta semana não podem ser vistos de forma isolada. Eles se complementam na narrativa de uma empresa que, ao mesmo tempo em que expande suas fronteiras geográficas e produtivas, é pressionada a redefinir seus limites éticos e culturais.