O setor de mineração atravessa um período de profundas transformações, pressionado pela transição energética global, pela volatilidade dos mercados e por demandas cada vez mais exigentes em sustentabilidade. Em recente entrevista, Marcelo Gasparino, vice-presidente do Conselho de Administração da Vale, falou sobre as oportunidades e os desafios que a companhia enfrenta, oferecendo um panorama sobre o futuro da mineradora e seu papel no cenário internacional.
O mercado global e a posição da Vale
A China continua sendo o principal destino do minério de ferro da Vale, ainda que haja incertezas sobre o ritmo de crescimento da economia chinesa. Para Gasparino, esse contexto representa mais uma oportunidade do que uma ameaça. A mineradora vem se preparando para operar com preços de minério mais baixos, mantendo a rentabilidade graças ao seu diferencial de custo. A Vale é reconhecida como a produtora com menor custo C1 da indústria, o que garante competitividade mesmo em cenários adversos.
Além disso, a companhia aposta em produtos de maior valor agregado, como pelotas e briquetes. As pelotas já consolidaram a Vale como maior produtora mundial, enquanto os briquetes representam uma inovação: são exclusivos da empresa e oferecem ganhos significativos de eficiência energética aos clientes.
Sustentabilidade e agenda ESG
Gasparino destacou que eficiência produtiva anda de mãos dadas com sustentabilidade. A Vale tem buscado reduzir emissões de gases de efeito estufa não apenas em suas minas, mas também no transporte, que ainda depende fortemente de combustíveis fósseis. A empresa já opera locomotivas elétricas e estuda alternativas de baixo carbono, enquanto investe na melhoria do modal marítimo — hoje, o maior responsável pelas emissões devido ao volume e às longas distâncias das exportações brasileiras.
Apesar dos desafios, a mineradora afirma estar à frente de concorrentes na chamada “jornada de sustentabilidade”, reconhecendo que mineração e siderurgia são setores naturalmente emissores, mas que precisam ser reinventados para o futuro.

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Transição energética e o papel do gás natural
No debate sobre novas matrizes energéticas, Gasparino ressaltou a vantagem brasileira: a matriz elétrica já é majoritariamente renovável, ancorada na hidrelétrica e em expansão na eólica e solar. A produção de hidrogênio verde, por exemplo, depende dessa base renovável para ganhar escala.
Ainda assim, o executivo é realista: a viabilidade do hidrogênio verde em larga escala só deve se concretizar por volta de 2050. Até lá, o gás natural terá papel central como combustível de transição. O Brasil tem reservas limitadas, mas pode se beneficiar da proximidade com a Argentina, que possui a quarta maior reserva mundial em Vaca Muerta, desde que consiga estruturar infraestrutura adequada.
Investimentos estratégicos em cobre e produtos verdes
A Vale aposta fortemente em diversificação, com destaque para o cobre. O projeto Novo Carajás, no Pará, pretende dobrar a produção nacional do minério, em uma das maiores reservas ainda pouco exploradas do mundo. A meta é ambiciosa: posicionar a companhia entre os cinco maiores produtores globais até 2035, com capacidade de 700 mil toneladas anuais.
A demanda crescente por cobre, insumo essencial para a eletrificação e a transição energética (veículos elétricos, cabos, baterias), reforça a importância da estratégia. Segundo Gasparino, Novo Carajás terá vida útil entre 30 e 50 anos, garantindo estabilidade de longo prazo.
Paralelamente, a empresa aposta nos briquetes, considerados um produto verde, por consumirem menos energia na etapa de produção dos clientes. Em Omã, um mega-hub em fase de planejamento deve aproveitar o gás barato da região para produzir briquetes em escala, suprindo mercados do Oriente Médio e Europa em até 10 anos.
Concorrência e movimentos de mercado
Para Gasparino, a concorrência é positiva, pois força a Vale a sair da zona de conforto. Ele citou a fusão Anglo American–Teck Resources como exemplo de reconfiguração estratégica em torno de metais básicos, especialmente o cobre, cuja demanda tende a crescer exponencialmente.
O executivo também ressaltou a vantagem de minas mais novas, como a S11D, em comparação a operações antigas. A diferença de custos é significativa e garante que a Vale continue competitiva frente a outros gigantes da mineração.
Vale Base Metals e eficiência de capital
Criada em 2023, a Vale Base Metals (VBM) é a unidade independente da empresa voltada para cobre e níquel. Segundo Gasparino, a separação permitiu uma gestão mais focada e eficiente, com resultados expressivos na alocação de capital. O CAPEX reduzido da Vale não reflete falta de oportunidades, mas sim melhor direcionamento dos recursos.
O níquel produzido pela VBM no Canadá, por exemplo, tem sustentado operações fora do Brasil e reforçado o peso da mineradora em mercados estratégicos.
Entre eficiência, inovação e reputação
As declarações de Marcelo Gasparino expuseram a estratégia multifacetada da Vale: consolidar-se como líder em minério de ferro, avançar no cobre e níquel, inovar com briquetes e ampliar compromissos de sustentabilidade. O desafio, porém, é equilibrar eficiência econômica com reputação social e ambiental — um ponto que ainda ecoa das tragédias de Mariana e Brumadinho.
Se os números e os projetos garantem confiança ao mercado, a verdadeira prova para a Vale será sustentar uma transição que vá além da mineração, conectando competitividade e responsabilidade em um setor historicamente marcado por altos custos sociais.








































