A Terra Indígena Apyterewa, localizada no sudeste do Pará, voltou ao centro do debate nacional após a morte do vaqueiro Marcos Antônio Pereira da Cruz, ocorrida durante uma ação de retirada de gado mantido ilegalmente dentro do território. O episódio, investigado como uma emboscada, reacende discussões sensíveis sobre a proteção das terras indígenas, a persistência de ocupações irregulares e os desafios enfrentados pelo Estado brasileiro para assegurar direitos constitucionais em regiões historicamente pressionadas por interesses econômicos.

A área é habitada pelo povo Parakanã e carrega uma longa trajetória de conflitos fundiários, marcada por invasões, desmatamento e criação ilegal de gado. Apesar de homologada, a terra indígena permaneceu por anos sob intensa pressão, o que comprometeu a segurança das comunidades e acelerou a degradação ambiental. A atual operação de desintrusão busca justamente reverter esse cenário, restabelecendo os limites do território e garantindo condições para a reprodução física e cultural do povo indígena.
A desintrusão como medida de proteção indígena
A retirada de invasores da Terra Indígena Apyterewa atende a uma decisão do Supremo Tribunal Federal, tomada no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 709. A ação foi apresentada em 2020 pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, em um contexto de forte preocupação com a vulnerabilidade das comunidades indígenas durante a pandemia de Covid-19.
Na prática, a desintrusão tem como objetivo assegurar o direito dos povos indígenas ao território, previsto na Constituição Federal, além de conter atividades ilegais que impactam diretamente a floresta e os modos de vida tradicionais. Desde o início das ações, milhares de pessoas envolvidas com a pecuária e o cultivo agrícola foram retiradas da área, reduzindo significativamente o desmatamento e a pressão sobre os recursos naturais.
As ações são conduzidas de forma integrada, envolvendo o Ministério dos Povos Indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, a Agência Brasileira de Inteligência, a Força Nacional de Segurança Pública e órgãos de segurança do Pará. Essa articulação reflete a complexidade da operação e a necessidade de atuação coordenada do poder público.

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Um território ainda em processo de recuperação
Apesar dos avanços, a Terra Indígena Apyterewa ainda enfrenta desafios. Parte do gado criado ilegalmente permaneceu dispersa em áreas de mata, muitas vezes de difícil acesso, exigindo operações prolongadas para sua retirada. Esse cenário prolonga a presença de agentes públicos e trabalhadores no território, em uma região onde a tensão fundiária ainda não foi totalmente superada.
Para os povos indígenas, a desintrusão representa mais do que a retirada de rebanhos ou estruturas ilegais. Trata-se da recuperação de áreas sagradas, da recomposição ambiental e da possibilidade de retomar práticas tradicionais de caça, pesca e agricultura, afetadas por décadas de ocupação irregular. Lideranças indígenas têm destacado que a presença do Estado é fundamental não apenas para retirar invasores, mas para garantir políticas permanentes de proteção e assistência.
Segurança, investigação e responsabilidade institucional
Após o assassinato do vaqueiro, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas solicitou apoio da Polícia Federal, que passou a atuar diretamente na investigação do caso. As diligências buscam esclarecer as circunstâncias do crime e identificar os responsáveis, respeitando os trâmites legais.
Em nota, o Ibama manifestou solidariedade à família da vítima e informou que está colaborando com as investigações, além de prestar apoio aos familiares. O episódio reforça a necessidade de protocolos de segurança cada vez mais rigorosos em operações realizadas em áreas sensíveis, onde persistem disputas fundiárias e resistências à presença do Estado.
Ao mesmo tempo, o caso evidencia que a proteção das terras indígenas não se resume a ações pontuais. Especialistas e organizações indígenas apontam que a consolidação da desintrusão depende de políticas contínuas, presença institucional permanente e diálogo com a sociedade local, para evitar a retomada de práticas ilegais.
Um desafio que ultrapassa o episódio
A situação na Terra Indígena Apyterewa ilustra um desafio estrutural enfrentado pelo Brasil: transformar decisões judiciais e políticas públicas em segurança duradoura para os povos indígenas. A efetivação desse direito é condição essencial não apenas para a preservação cultural desses povos, mas também para a proteção da Amazônia e do equilíbrio ambiental.
Mais do que um episódio isolado, o ocorrido reforça a urgência de fortalecer a presença do Estado em territórios indígenas, garantindo que a lei seja cumprida de forma contínua, com respeito aos direitos humanos e atenção às populações que historicamente ocupam e protegem essas áreas. A consolidação da Apyterewa como território plenamente protegido permanece como um passo fundamental nesse caminho.














































