Capítulo 3: Pobreza Energética no Brasil: Uma Realidade Invisível

Autor: Redação Revista Amazônia

A transição energética no Brasil, além de representar uma mudança tecnológica e ambiental, é também um desafio social profundo. A questão da pobreza energética – um fenômeno que afeta milhões de brasileiros, principalmente aqueles em situação de vulnerabilidade social – deve ser central nas discussões sobre a transformação da matriz energética do país. Embora o Brasil possua um dos maiores potenciais de energia renovável do mundo, a realidade é que muitos brasileiros ainda não têm acesso a energia de forma suficiente, eficiente ou a preços acessíveis.

Neste capítulo da série “Energia 2045: Brasil a Caminho da Potência Ambiental”, exploramos a complexidade da pobreza energética no Brasil. Vamos além dos números e análises técnicas, para discutir como a desigualdade no acesso à energia compromete a vida de milhões de pessoas, perpetua a exclusão social e representa um grande obstáculo para uma transição energética justa.

1. O Conceito de Pobreza Energética

A pobreza energética pode ser definida como a incapacidade de uma família ou indivíduo de acessar energia suficiente e adequada para suprir suas necessidades básicas a preços acessíveis. No Brasil, isso pode se manifestar de diversas maneiras, como a falta de acesso à eletricidade em áreas rurais remotas, o uso de formas precárias de energia (como lenha ou carvão vegetal) para cozinhar, ou contas de luz exorbitantes que pressionam orçamentos familiares já apertados, obrigando as famílias a fazer escolhas difíceis entre pagar pela energia ou por outros itens essenciais, como alimentação e saúde.

No entanto, a pobreza energética não é apenas um problema técnico de acesso à eletricidade ou energia barata; é uma questão que envolve justiça social, direitos humanos e desenvolvimento econômico. Ela afeta desproporcionalmente as populações mais vulneráveis – aquelas que vivem em condições de pobreza extrema, em áreas rurais isoladas, comunidades indígenas, e em áreas urbanas periféricas.

A pobreza energética também é interseccional, o que significa que ela é influenciada por outros fatores sociais, como raça, gênero e idade. Por exemplo, no Brasil, as mulheres, especialmente as mulheres negras e indígenas, tendem a sofrer mais com a pobreza energética, uma vez que são frequentemente as responsáveis por tarefas domésticas que exigem o uso de energia, como cozinhar e cuidar dos filhos. Além disso, os idosos e as crianças são especialmente vulneráveis aos efeitos negativos da falta de acesso a energia adequada, pois dependem de um ambiente doméstico saudável e seguro.

2. Dimensão da Pobreza Energética no Brasil

Apesar dos avanços que o Brasil fez nas últimas décadas em termos de eletrificação, ainda há milhões de brasileiros vivendo em condições de pobreza energética. De acordo com dados do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), cerca de 1 milhão de pessoas ainda não têm acesso regular à eletricidade, especialmente em áreas rurais e regiões isoladas, como a Amazônia Legal. Nessas áreas, o fornecimento de energia é irregular e muitas vezes inexistente, forçando as comunidades a dependerem de soluções alternativas, como geradores a diesel, que são caros, poluentes e insustentáveis.

Mesmo nas áreas urbanas, onde a eletricidade é amplamente disponível, a pobreza energética ainda é uma realidade. Um estudo realizado pelo Instituto Pólis em 2023 mostrou que 60% das famílias das classes D e E têm dificuldade em pagar suas contas de eletricidade. Isso ocorre em um contexto de aumento das tarifas de energia elétrica, agravado pela crise hídrica que o Brasil enfrentou nos últimos anos, que resultou no acionamento de usinas termelétricas mais caras e mais poluentes.

Além disso, as comunidades periféricas e os moradores de favelas enfrentam uma série de desafios relacionados à pobreza energética. Nessas áreas, os serviços de energia elétrica são frequentemente de baixa qualidade, com cortes frequentes e falta de infraestrutura adequada. Muitas vezes, essas famílias vivem em situações de inadimplência ou mesmo em ligações clandestinas de energia, o que aumenta o risco de acidentes e incêndios, além de expô-las a penalidades legais.

3. O Impacto Social da Pobreza Energética

Os impactos da pobreza energética vão muito além da simples falta de acesso à eletricidade. A ausência de energia adequada afeta praticamente todos os aspectos da vida das pessoas, desde sua saúde até sua capacidade de educação e geração de renda.

Um dos principais impactos da pobreza energética está relacionado à saúde. Famílias que não têm acesso à eletricidade ou que dependem de formas precárias de energia, como o uso de lenha ou carvão vegetal para cozinhar, estão expostas a altos níveis de poluição do ar doméstico, que é uma das principais causas de doenças respiratórias. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a exposição à poluição causada pelo uso de combustíveis sólidos para cozinhar causa cerca de 4 milhões de mortes prematuras por ano em todo o mundo. No Brasil, esse tipo de poluição é particularmente preocupante em áreas rurais, onde muitas famílias ainda dependem da lenha para preparar suas refeições.

Além disso, a falta de acesso à energia adequada pode dificultar o acesso à água potável, especialmente em áreas onde o bombeamento de água depende de eletricidade. Isso é um problema grave em comunidades isoladas da Amazônia, onde a combinação de pobreza energética e pobreza hídrica cria um ciclo de vulnerabilidade que agrava ainda mais as desigualdades sociais.

A educação também é diretamente afetada pela pobreza energética. Em áreas sem eletricidade, as crianças têm dificuldade em estudar à noite por falta de iluminação adequada, o que prejudica seu desempenho escolar e limita suas oportunidades de desenvolvimento. Em áreas urbanas, o custo elevado da eletricidade pode significar que as famílias precisam escolher entre pagar por luz ou comprar alimentos, o que afeta diretamente a qualidade de vida das crianças.

4. Energia como Direito Humano e a Luta por Justiça Energética

A energia é amplamente reconhecida como um direito humano essencial. Ela é fundamental para o desenvolvimento socioeconômico, a redução da pobreza e a melhoria da qualidade de vida das pessoas. No entanto, o acesso à energia no Brasil ainda está marcado por profundas desigualdades regionais e sociais.

Pobreza Energética no Brasil: Uma Realidade InvisívelA luta por justiça energética vai além da mera expansão da infraestrutura elétrica. Trata-se de garantir que todas as pessoas, independentemente de sua localização geográfica, classe social, gênero ou raça, tenham acesso equitativo a energia segura, confiável, moderna e acessível. Isso significa que o Brasil não pode se contentar apenas em fornecer eletricidade às áreas que ainda estão sem cobertura, mas também precisa abordar as disparidades no acesso à energia de qualidade.

Um exemplo claro de injustiça energética no Brasil é a situação das comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e ribeirinhos, que muitas vezes são deixadas de lado nas políticas de eletrificação. Essas comunidades enfrentam não apenas a falta de eletricidade, mas também o fato de que, quando a energia é fornecida, ela frequentemente vem na forma de geradores a diesel ou outras fontes poluentes, em vez de energias renováveis adequadas ao contexto local.

5. A Tarifa Social e as Políticas Públicas de Alívio Energético

Nos últimos anos, o governo brasileiro implementou algumas medidas para mitigar os efeitos da pobreza energética, sendo a principal delas a Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE). Esse programa oferece descontos significativos nas contas de luz para famílias de baixa renda, o que tem sido essencial para garantir que muitas famílias continuem a ter acesso à eletricidade.

A Tarifa Social, no entanto, enfrenta uma série de desafios. O principal problema é que, mesmo com o desconto, muitas famílias ainda lutam para pagar suas contas de eletricidade. O estudo do Instituto Pólis de 2023 mostrou que 21% dos beneficiários da Tarifa Social estavam inadimplentes com suas contas de energia, demonstrando que, para muitas famílias, o desconto não é suficiente para cobrir os custos crescentes da eletricidade no Brasil.

Além disso, a Tarifa Social não aborda o problema da qualidade do serviço. Muitas famílias de baixa renda enfrentam problemas frequentes com a confiabilidade do fornecimento de energia, com apagões regulares e flutuações de tensão que podem danificar eletrodomésticos e piorar ainda mais as condições de vida. O programa também não se estende a todos os brasileiros que poderiam se beneficiar dele, já que muitos não estão cadastrados devido à falta de informação ou acesso a serviços públicos.

6. Energia Renovável e Geração Distribuída como Soluções para a Pobreza Energética

Embora a eletricidade no Brasil seja predominantemente gerada a partir de fontes renováveis, como hidrelétricas, a realidade é que essas grandes usinas não beneficiam igualmente toda a população, especialmente aquelas em áreas rurais e isoladas. Uma solução potencial para a pobreza energética no Brasil é a geração distribuída de energia renovável, que permite que as comunidades locais gerem sua própria eletricidade a partir de fontes como a energia solar.

A energia solar fotovoltaica tem sido apontada como uma das melhores opções para expandir o acesso à energia em regiões isoladas, como na Amazônia. Pequenos sistemas solares podem ser instalados em comunidades remotas, permitindo que essas populações tenham acesso à eletricidade sem depender de geradores a diesel ou da expansão de redes de transmissão caras e complicadas de instalar em áreas de floresta densa.

Pobreza Energética no Brasil: Uma Realidade InvisívelAlém de fornecer eletricidade a comunidades sem acesso, a geração distribuída também pode ser uma ferramenta poderosa para reduzir os custos de energia para famílias de baixa renda nas áreas urbanas. Programas que incentivam a instalação de painéis solares em residências de baixa renda, combinados com sistemas de microcrédito ou subsídios governamentais, podem ajudar essas famílias a reduzir suas contas de luz a longo prazo, ao mesmo tempo em que contribuem para a descarbonização da matriz elétrica brasileira.

No entanto, o Brasil ainda está muito atrás na promoção de políticas que facilitem o acesso de famílias de baixa renda a essas tecnologias. A maioria dos sistemas de geração distribuída instalados até agora beneficiou principalmente a classe média e alta, que tem os recursos necessários para investir em painéis solares e outras tecnologias de energia limpa. Para que a geração distribuída se torne uma solução viável para a pobreza energética, é necessário que o governo implemente políticas específicas que incentivem a adoção dessas tecnologias por famílias de baixa renda.

7. Desafios Regulatórios e de Infraestrutura

Um dos maiores obstáculos para enfrentar a pobreza energética no Brasil é a falta de infraestrutura adequada e os desafios regulatórios que limitam o acesso à eletricidade em muitas regiões do país. O Brasil tem uma das maiores redes de transmissão de eletricidade do mundo, mas essa infraestrutura não cobre de maneira eficiente todas as regiões, especialmente as áreas rurais e remotas.

A Amazônia Legal, que abriga grande parte das comunidades isoladas do país, enfrenta desafios logísticos e técnicos significativos quando se trata de eletrificação. O alto custo de levar linhas de transmissão a essas áreas remotas, combinada com a baixa densidade populacional, faz com que muitas vezes seja mais caro fornecer eletricidade a essas regiões do que a grandes centros urbanos. Isso significa que as comunidades da Amazônia frequentemente ficam dependentes de soluções temporárias, como geradores a diesel, que são caros e ambientalmente insustentáveis.

Além disso, as regulamentações governamentais muitas vezes não estão alinhadas com as necessidades das populações mais vulneráveis. As tarifas de eletricidade no Brasil incluem uma série de subsídios cruzados, que fazem com que os consumidores de baixa renda paguem proporcionalmente mais por sua eletricidade do que os grandes consumidores industriais e comerciais. Essa estrutura tarifária injusta agrava ainda mais a pobreza energética, especialmente nas áreas onde a eletricidade já é cara devido à infraestrutura precária.

8. Soluções para uma Transição Energética Justa

Para que a transição energética no Brasil seja verdadeiramente justa, é fundamental que o país adote uma abordagem que coloque a justiça social no centro de suas políticas energéticas. Isso significa garantir que as soluções para a pobreza energética sejam parte integrante de qualquer estratégia de transição energética, em vez de serem tratadas como uma questão separada.

Algumas das soluções possíveis incluem a expansão dos programas de geração distribuída, com foco em famílias de baixa renda e comunidades isoladas, a revisão das políticas de subsídios para garantir que a energia seja acessível para todos, e o investimento em tecnologias renováveis que sejam adequadas ao contexto local, como a energia solar e pequenas hidrelétricas.

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Além disso, é essencial que o governo e as empresas do setor energético trabalhem em conjunto com as comunidades afetadas pela pobreza energética para garantir que suas necessidades e preocupações sejam levadas em consideração no planejamento das políticas públicas. A participação comunitária é fundamental para garantir que as soluções implementadas sejam sustentáveis e verdadeiramente benéficas para as populações mais vulneráveis.

9.  Pobreza Energética e o Futuro da Energia no Brasil

A pobreza energética no Brasil é um problema profundo e multifacetado, que afeta milhões de pessoas e perpetua desigualdades sociais e econômicas. Para que o país consiga alcançar suas metas de transição energética e se tornar uma potência ambiental até 2045, será necessário abordar de forma decisiva e eficaz as causas estruturais da pobreza energética.

A transição para uma matriz energética mais limpa e sustentável oferece uma oportunidade única para o Brasil corrigir essas desigualdades históricas e garantir que todos os brasileiros tenham acesso a uma energia segura, moderna e a preços acessíveis. No entanto, isso exigirá vontade política, inovação tecnológica e um compromisso com a justiça social.


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