Capítulo 6: Subvenções para combustíveis fósseis: Uma contradição na transição energética?

Autor: Redação Revista Amazônia

As subvenções para combustíveis fósseis têm sido, por décadas, um dos principais mecanismos utilizados pelos governos para manter os preços de energia relativamente baixos e garantir o acesso a fontes de energia essenciais para o desenvolvimento econômico. No Brasil, esses subsídios têm desempenhado um papel central na sustentação de indústrias que dependem de combustíveis como petróleo, gás natural, e carvão, além de permitir o consumo de energia a preços acessíveis para os consumidores. Contudo, à medida que o mundo avança em direção à transição para uma matriz energética mais limpa e descarbonizada, as subvenções aos combustíveis fósseis começam a ser vistas como uma contradição frente aos compromissos ambientais do país, e até mesmo um entrave para o progresso de energias renováveis.

Este capítulo da série “Energia 2045: Brasil a Caminho da Potência Ambiental” abordará em profundidade o tema das subvenções para combustíveis fósseis no Brasil, explorando como elas funcionam, os setores que mais se beneficiam dessas subvenções e os impactos ambientais, econômicos e sociais desse tipo de política. Também discutiremos como essas subvenções se alinham (ou não) com as metas de descarbonização do Brasil e como uma transição para energias limpas pode ser impactada por essa prática.

1. O que são Subvenções para Combustíveis Fósseis?

As subvenções para combustíveis fósseis são incentivos financeiros fornecidos pelo governo para apoiar a produção, a extração, o processamento ou o consumo de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural. Esses subsídios podem assumir diversas formas, desde isenções fiscais e reduções de tarifas até subsídios diretos para a indústria de combustíveis fósseis. O objetivo principal dessas subvenções é garantir o acesso a fontes de energia essenciais e, muitas vezes, estabilizar os preços da energia para os consumidores finais.

O governo brasileiro, como muitos outros ao redor do mundo, tem historicamente utilizado subvenções para garantir a competitividade das indústrias que dependem de combustíveis fósseis e para evitar que os consumidores enfrentem aumentos bruscos no custo da energia. Contudo, os subsídios para combustíveis fósseis podem distorcer o mercado, incentivando o consumo dessas fontes de energia, mesmo quando há alternativas mais limpas disponíveis.

Capítulo 6: Subvenções para Combustíveis Fósseis: Uma Contradição na Transição Energética?De acordo com o Relatório sobre Subvenções aos Combustíveis Fósseis da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil gastou aproximadamente US$ 17 bilhões em subsídios a combustíveis fósseis em 2022. Isso inclui subsídios para a produção e consumo de petróleo, gás natural e carvão, bem como incentivos para setores industriais que dependem dessas fontes de energia. Essa quantia coloca o Brasil entre os países que mais subsidiam combustíveis fósseis no mundo, levantando questões sobre o alinhamento dessas políticas com as metas climáticas do país.

2. Principais Setores Beneficiados pelas Subvenções

No Brasil, os principais setores beneficiados pelas subvenções aos combustíveis fósseis incluem o setor de transporte, o setor industrial e as termelétricas a carvão e gás natural. Esses setores consomem grandes quantidades de energia e, por isso, são alvos de políticas que visam reduzir seus custos operacionais e garantir a competitividade da economia brasileira.

2.1 Setor de Transporte

O setor de transporte é um dos maiores consumidores de combustíveis fósseis no Brasil, especialmente diesel e gasolina. O diesel, utilizado amplamente no transporte de cargas e transporte público, é o combustível mais subsidiado no Brasil. A política de subsídios ao diesel é justificada pelo governo como uma forma de manter os custos do transporte de mercadorias e pessoas em níveis acessíveis, já que o aumento nos preços dos combustíveis pode ter efeitos em cadeia na inflação, afetando toda a economia.

Um exemplo claro desse tipo de subsídio foi a crise dos caminhoneiros de 2018, que paralisou o Brasil por diversas semanas devido ao aumento dos preços do diesel. Como resposta à crise, o governo estabeleceu uma série de subsídios para reduzir o preço do diesel, o que resultou em um aumento nos gastos públicos com o setor de combustíveis fósseis. Até hoje, essa política permanece como uma forma de controlar os custos no setor de transportes.

Embora esses subsídios tenham benefícios imediatos, como a contenção da inflação e a estabilização do setor de transporte, eles também perpetuam a dependência do Brasil em relação ao diesel e outros combustíveis fósseis. Isso cria um ciclo no qual a economia continua presa à infraestrutura baseada em combustíveis fósseis, enquanto as alternativas mais limpas, como veículos elétricos ou biocombustíveis avançados, recebem menos incentivo.

2.2 Setor Industrial

O setor industrial brasileiro também é um grande beneficiário dos subsídios aos combustíveis fósseis, particularmente o gás natural e o carvão. O gás natural é amplamente utilizado como fonte de energia para indústrias que exigem grandes quantidades de calor e eletricidade, como as indústrias siderúrgica, de cimento, química e de papel e celulose. O governo oferece uma série de incentivos fiscais para garantir que o preço do gás natural permaneça competitivo para essas indústrias.

O carvão, por sua vez, ainda é utilizado como fonte de energia em algumas indústrias, especialmente no setor siderúrgico. Embora o uso do carvão no Brasil seja menor do que em outros países, como a China e a Índia, as indústrias que utilizam carvão ainda recebem subsídios para reduzir seus custos de produção, apesar de ser uma das fontes de energia mais poluentes do mundo.

Os subsídios para o setor industrial ajudam a garantir que essas indústrias permaneçam competitivas no mercado global, mas ao mesmo tempo retardam a transição para tecnologias mais limpas e eficientes. Sem a pressão para adotar alternativas energéticas mais sustentáveis, essas indústrias continuam a utilizar combustíveis fósseis, contribuindo para as emissões de gases de efeito estufa.

2.3 Termelétricas a Carvão e Gás Natural

O setor de geração de eletricidade também é um grande consumidor de combustíveis fósseis no Brasil, embora a maior parte da eletricidade do país seja gerada por fontes renováveis, como a energia hidrelétrica, eólica e solar. As termelétricas a carvão e gás natural desempenham um papel crucial como backup durante períodos de seca, quando as hidrelétricas produzem menos energia.

No entanto, o uso de termelétricas a carvão e gás natural é amplamente subsidiado pelo governo. O carvão, em particular, continua a ser utilizado em algumas usinas no Brasil, apesar de ser altamente poluente. Esses subsídios são frequentemente justificados como uma forma de garantir a segurança energética do país, mas também representam uma contradição em relação às metas de descarbonização do Brasil.

3. Impactos Ambientais das Subvenções aos Combustíveis Fósseis

Os impactos ambientais das subvenções aos combustíveis fósseis são vastos e bem documentados. Ao subsidiar a produção e o consumo de combustíveis fósseis, os governos incentivam o uso contínuo de fontes de energia que são responsáveis por uma parcela significativa das emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente dióxido de carbono (CO₂) e metano (CH₄). Essas emissões são os principais responsáveis pelo aquecimento global e pelas mudanças climáticas, que têm impactos devastadores nos ecossistemas e nas populações humanas.

No Brasil, os setores de transporte, indústria e geração de eletricidade são responsáveis por uma grande parte das emissões de CO₂, e o fato de continuarem a receber subsídios para o uso de combustíveis fósseis perpetua esse problema. Por exemplo, o uso continuado de diesel no setor de transporte gera uma quantidade significativa de emissões de CO₂, além de outros poluentes atmosféricos, como material particulado, que contribuem para problemas de saúde pública, especialmente nas grandes cidades.

As termelétricas a carvão e gás natural, que recebem subsídios do governo para garantir sua viabilidade econômica, são particularmente problemáticas em termos ambientais. As termelétricas a carvão, em particular, são uma das fontes de eletricidade mais poluentes do mundo, emitindo grandes quantidades de CO₂, óxidos de enxofre (SOx) e óxidos de nitrogênio (NOx), que causam chuva ácida e prejudicam a qualidade do ar.Capítulo 6: Subvenções para Combustíveis Fósseis: Uma Contradição na Transição Energética?

Além disso, a extração de combustíveis fósseis, como petróleo e gás natural, também tem um impacto ambiental significativo. A exploração de petróleo no pré-sal, por exemplo, tem gerado preocupações sobre os derrames de óleo e seus impactos nos ecossistemas marinhos. A exploração de gás natural também resulta na emissão de metano, um dos gases de efeito estufa mais potentes, que tem um impacto muito maior no aquecimento global do que o CO₂ a curto prazo.

Ao subsidiar essas atividades, o Brasil está essencialmente investindo no agravamento das mudanças climáticas, em vez de direcionar esses recursos para soluções mais limpas e sustentáveis, como as energias renováveis e a eficiência energética.

4. Subvenções e as Metas de Descarbonização do Brasil

O Brasil, como signatário do Acordo de Paris, comprometeu-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 43% até 2030 em comparação com os níveis de 2005, e a atingir emissões líquidas zero até 2050. No entanto, as subvenções para combustíveis fósseis são um grande obstáculo para o cumprimento dessas metas.

Para que o Brasil atinja suas metas de descarbonização, será necessário reduzir gradualmente o uso de combustíveis fósseis, especialmente no setor de transporte e geração de eletricidade, que são os maiores emissores de CO₂ do país. No entanto, os subsídios continuam a distorcer o mercado de energia, tornando os combustíveis fósseis artificialmente mais baratos e retardando o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de energia limpa.

Um estudo da Agência Internacional de Energia (AIE) sugere que, se o Brasil quiser atingir suas metas de emissões líquidas zero, precisará reduzir significativamente os subsídios aos combustíveis fósseis e redirecionar esses recursos para o desenvolvimento de energias renováveis, como a solar e a eólica, além de investir em tecnologias de armazenamento de energia, como baterias, que são essenciais para a integração de fontes intermitentes de energia.

Os subsídios também criam uma dependência de longo prazo dos combustíveis fósseis, o que pode dificultar a transição energética. Ao manter os preços dos combustíveis fósseis baixos, o governo desincentiva a adoção de veículos elétricos, por exemplo, que são uma solução crucial para descarbonizar o setor de transporte. Da mesma forma, as indústrias que recebem subsídios para o uso de gás natural ou carvão têm menos incentivo para investir em tecnologias mais limpas e eficientes.

5. A Economia Política das Subvenções aos Combustíveis Fósseis

Embora as subvenções aos combustíveis fósseis sejam amplamente reconhecidas como prejudiciais para o meio ambiente e para as metas de descarbonização do Brasil, elas continuam a ser um componente central das políticas energéticas do país. Isso se deve em grande parte à economia política que sustenta essas subvenções.

Os setores que mais se beneficiam das subvenções aos combustíveis fósseis – como o setor de transporte, as indústrias de base e o setor de geração de eletricidade – têm grande influência política no Brasil. Empresas como a Petrobras, uma das maiores produtoras de petróleo e gás do mundo, têm uma presença significativa na economia brasileira e desempenham um papel importante na formulação de políticas energéticas.

Além disso, os subsídios aos combustíveis fósseis muitas vezes são apresentados como uma forma de proteger os consumidores, especialmente os de baixa renda, do aumento dos preços da energia. A justificativa é que a remoção abrupta desses subsídios poderia levar a aumentos acentuados nos preços dos combustíveis e da eletricidade, com impactos negativos na inflação e no poder de compra da população.

No entanto, esse argumento ignora o fato de que os subsídios aos combustíveis fósseis são, na verdade, uma forma ineficiente de apoio aos consumidores de baixa renda. A maioria dos benefícios dos subsídios vai para as indústrias e para os consumidores mais ricos, que utilizam mais energia. De acordo com um estudo do Fórum Econômico Mundial, apenas 7% dos subsídios aos combustíveis fósseis no Brasil realmente beneficiam os 20% mais pobres da população. Isso sugere que os subsídios poderiam ser reformulados para serem mais direcionados e eficazes, ao mesmo tempo em que se eliminam os incentivos para o uso de combustíveis fósseis.

6. Reformas Necessárias e o Redirecionamento dos Subsídios

Dada a contradição entre os subsídios aos combustíveis fósseis e as metas de descarbonização do Brasil, é essencial que o governo implemente reformas para eliminar progressivamente esses subsídios e redirecionar os recursos para áreas que promovam a transição energética.

Um caminho para isso seria substituir os subsídios aos combustíveis fósseis por subsídios às energias renováveis e à eficiência energética. Isso incluiria o financiamento de programas de geração distribuída, como a instalação de painéis solares em residências de baixa renda, e o incentivo ao uso de tecnologias de armazenamento de energia, como baterias. Além disso, o governo poderia introduzir políticas de preço do carbono, que incentivem a redução das emissões de CO₂, e aumentar os investimentos em infraestrutura para veículos elétricos e transporte público de baixo carbono.

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Outra reforma necessária é garantir que as subvenções para combustíveis fósseis sejam mais transparentes. Atualmente, muitos subsídios estão ocultos em formas de isenções fiscais ou programas de financiamento de longo prazo, o que dificulta a avaliação de seu impacto real. O aumento da transparência permitiria que os formuladores de políticas e o público pudessem debater de forma mais informada os custos e benefícios dessas subvenções.

Além disso, é importante que qualquer reforma nas subvenções seja acompanhada por medidas de proteção social, para garantir que os consumidores de baixa renda não sejam adversamente afetados por aumentos nos preços da energia. Isso poderia incluir programas de transferência direta de renda para compensar o aumento dos preços dos combustíveis ou da eletricidade, além de incentivos para a adoção de tecnologias mais eficientes, como eletrodomésticos de baixo consumo de energia.

7. Exemplos Internacionais de Reformas de Subsídios

Vários países ao redor do mundo já implementaram reformas bem-sucedidas para reduzir ou eliminar subsídios aos combustíveis fósseis e redirecionar esses recursos para a transição energética.

No Irã, por exemplo, o governo implementou uma das maiores reformas de subsídios a combustíveis fósseis do mundo em 2010. O país, que anteriormente gastava cerca de 20% de seu PIB em subsídios a combustíveis fósseis, gradualmente eliminou esses subsídios e introduziu um programa de transferência direta de renda para os cidadãos mais pobres. Essa política não apenas ajudou a reduzir o consumo de combustíveis fósseis, mas também melhorou a eficiência energética do país.

Outro exemplo vem da Indonésia, que, em 2014, eliminou grande parte de seus subsídios à gasolina e ao diesel, redirecionando os recursos para programas de desenvolvimento e infraestrutura. Embora a reforma tenha sido politicamente desafiadora, ela resultou em uma redução significativa do consumo de combustíveis fósseis e liberou recursos para investimentos em energias renováveis.

Esses exemplos mostram que é possível realizar reformas nos subsídios aos combustíveis fósseis sem prejudicar os consumidores de baixa renda, ao mesmo tempo em que se promove uma transição energética mais justa e sustentável.

8.  A Contradição dos Subsídios e o Caminho para a Transição Energética

As subvenções aos combustíveis fósseis representam uma contradição fundamental para um país que busca descarbonizar sua economia e liderar a transição energética global. Embora esses subsídios tenham desempenhado um papel importante no desenvolvimento econômico do Brasil e na estabilização dos preços da energia, eles também perpetuam a dependência de fontes de energia poluentes e dificultam o progresso rumo a uma matriz energética mais limpa e sustentável.

A transição para uma economia de baixo carbono exigirá que o Brasil elimine progressivamente os subsídios aos combustíveis fósseis e redirecione esses recursos para energias renováveis e tecnologias de eficiência energética. Reformas nessa área são necessárias para alinhar as políticas energéticas do país com suas metas climáticas e garantir que a transição seja justa para todos os brasileiros.

Nos próximos capítulos, continuaremos a explorar as políticas e soluções tecnológicas que o Brasil pode adotar para avançar em sua transição energética, ao mesmo tempo em que promove o desenvolvimento econômico e a justiça social.


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