A Amazônia, com sua sinfonia de sons do canto dos pássaros à comunicação dos pirarucus nos rios; é um ecossistema complexo onde cada som e movimento tem um papel crucial. Quando esses “instrumentos” naturais falham, é possível perceber imediatamente o descompasso, o que pode ser um sinal de alerta sobre a saúde da floresta. Essa analogia musical é usada por Emiliano Ramalho, biólogo carioca que há mais de 20 anos reside na região, para explicar como o monitoramento da fauna e flora da Amazônia pode ajudar a avaliar o funcionamento do ecossistema.
Tecnologias para monitorar a biodiversidade da Amazônia
Ramalho, diretor do Instituto Mamirauá, coordena desde 2016 o Projeto Providence, que utiliza tecnologias avançadas para monitorar a biodiversidade da região. Com mais de 40 sensores instalados na floresta, a iniciativa permite observar em tempo real, 24 horas por dia, uma vasta gama de comportamentos de animais e plantas, algo impossível de ser feito com métodos convencionais. “A tecnologia amplia a capacidade de observação, se tornando uma espécie de ‘sétimo sentido’, sem substituir a presença humana no campo, mas otimizando o trabalho”, explica o biólogo.
Além de sua contribuição no estudo de espécies como o pirarucu, Ramalho também se destaca pelo trabalho com a onça-pintada, um dos animais-chave para a conservação da Amazônia. Ele foi o primeiro a registrar cientificamente como o felino, adaptado ao ambiente inundado de várzea, passa a viver no topo das árvores durante as cheias. Essa espécie simboliza o equilíbrio necessário entre a fauna e a floresta, essencial para a preservação do ecossistema. “A floresta precisa da onça-pintada e a onça da floresta. A conservação está interligada à integridade ambiental”, afirma.
Tecnologia e a Ecologia Digital
Outro cientista, Thiago Sanna Freire Silva, um ecologista digital, também utiliza tecnologias de ponta para compreender os efeitos das mudanças climáticas na floresta. Silva usa a tecnologia Lidar (Light Detection and Ranging), que emite lasers para mapear grandes áreas da Amazônia em 3D, ajudando a entender como as variações nos níveis de água durante as secas e as cheias afetam a vegetação. Ele se concentra nas florestas inundáveis, analisando como essas alterações podem impactar a sobrevivência das árvores. “Secas mais intensas podem ser benéficas para as árvores em algumas situações, mas a falta de água também pode estressá-las, tornando-as vulneráveis”, explica.
Silva adverte que, diante dos efeitos climáticos acelerados, é mais realista buscar adaptações, em vez de esperar por uma regeneração imediata da floresta. “A adaptação é a única solução possível diante das rápidas mudanças. Precisamos entender melhor os impactos para desenvolver estratégias eficazes de preservação e apoiar as comunidades que dependem da floresta”, acrescenta.
A Crise Climática Visto do Ar
Luciana Gatti, química do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), observa a crise da Amazônia de uma perspectiva diferente: o ar. Desde 2003, ela realiza medições sobre os gases de efeito estufa na região, com foco na capacidade da floresta em absorver ou emitir carbono. Por meio de amostras de ar coletadas por aviões sobre áreas específicas da Amazônia, Gatti e sua equipe avaliam se a floresta ainda age como um sumidouro de carbono ou se se tornou uma fonte de emissões.
“Vimos que as áreas desmatadas da Amazônia têm registrado perdas de chuva e aumento de temperatura, principalmente entre agosto e outubro. O desmatamento não apenas libera carbono, mas altera o clima local, afetando as florestas remanescentes”, explica Gatti. As árvores que sobrevivem ao desmatamento ficam em “estresse”, com sua capacidade de fotossíntese comprometida pela falta de água no solo, o que resulta em emissões mais altas de carbono.
Interromper o desmatamento e priorizar a restauração
Gatti defende que é fundamental interromper o desmatamento e priorizar a restauração florestal. “A salvação da Amazônia é vital para o clima do Brasil e do mundo. Precisamos de um plano de sobrevivência, que envolva desde a redução do rebanho bovino até o plantio de árvores para restaurar as áreas perdidas”, argumenta a pesquisadora, alertando para a importância de todos se tornarem ativistas na preservação da floresta.
Esses esforços, combinando tecnologia e pesquisa de campo, estão oferecendo novas maneiras de monitorar e entender a Amazônia, permitindo ações mais eficazes para proteger a maior floresta tropical do mundo diante dos crescentes desafios climáticos. Com o apoio dessas ferramentas inovadoras, a esperança de preservar a Amazônia e suas riquezas naturais continua viva, ainda que o caminho para isso seja desafiador.