Nova enzima degradadora de celulose revolucionará a produção de biocombustíveis

Autor: Redação Revista Amazônia

A celulose, o polímero renovável mais abundante do planeta, é um dos grandes desafios da ciência quando o assunto é a produção de biocombustíveis. Sua estrutura cristalina, associada à lignina e hemiceluloses nas paredes celulares vegetais, torna-a altamente resistente à degradação.

Enzima degradadora de celulose

No entanto, uma descoberta recente pode mudar esse cenário. Pesquisadores do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em colaboração com instituições nacionais e internacionais, identificaram uma enzima capaz de desconstruir a celulose de forma inovadora, abrindo caminho para a produção em larga escala de etanol de segunda geração e outros biocombustíveis derivados de resíduos agroindustriais, como bagaço de cana e palha de milho. O estudo foi publicado na revista Nature.

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Imagem: Mario Murakami/CNPEM

A enzima, batizada de CelOCE (Cellulose Oxidative Cleaving Enzyme), opera por meio de um mecanismo até então desconhecido, que envolve a clivagem oxidativa da celulose. “Essa descoberta estabelece uma nova fronteira na bioquímica redox para a despolimerização de biomassa vegetal, com implicações significativas para a biotecnologia”, explica Mário Murakami, líder do grupo de pesquisa em biocatálise e biologia sintética do CNPEM e coordenador do estudo.

Como a CelOCE funciona?

A CelOCE atua como uma “chave mestra” que desbloqueia a estrutura cristalina da celulose, permitindo que outras enzimas completem o processo de conversão em açúcares fermentáveis. “Imagine a celulose como um conjunto de cadeados. As enzimas tradicionais não conseguem abri-los, mas a CelOCE faz isso com eficiência, permitindo que outras enzimas atuem de forma sinérgica”, compara Murakami.

Diferente das mono-oxigenases, enzimas que revolucionaram a desconstrução da celulose há duas décadas, a CelOCE não depende de fontes externas de peróxido para funcionar. Ela é autossuficiente, produzindo seu próprio peróxido durante o processo. “Isso é uma grande vantagem, pois o peróxido é altamente reativo e difícil de controlar em escala industrial. A CelOCE resolve esse problema ao gerar o peróxido in situ”, destaca o pesquisador.

Quebra de paradigma e impacto industrial

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Imagem: Arquivo/JornalCana

A descoberta da CelOCE representa uma quebra de paradigma na desconstrução da celulose. Enquanto as mono-oxigenases aumentam a eficiência do processo em X, a CelOCE dobra esse ganho, alcançando 2X. “Achávamos que as mono-oxigenases eram a única solução redox da natureza para lidar com a recalcitrância da celulose. Mas a natureza nos surpreendeu com uma estratégia ainda mais eficiente”, afirma Murakami.

A enzima é uma metaloenzima, ou seja, possui um átomo de cobre em sua estrutura molecular que atua como centro catalítico. Sua descoberta não foi fruto de engenharia genética, mas sim de uma extensa investigação científica que partiu de amostras de solo cobertas com bagaço de cana, coletadas próximo a uma biorrefinaria no Estado de São Paulo. “Utilizamos técnicas avançadas, como metagenômica, proteômica, espectrometria de massa e difração de raios X, para identificar e caracterizar a enzima”, detalha Murakami.

Aplicações imediatas e benefícios globais

A CelOCE já foi testada em escala piloto, com resultados promissores que indicam sua aplicação imediata no setor industrial. Atualmente, a eficiência na conversão de celulose em biocombustíveis gira em torno de 60% a 80%. Com a CelOCE, esse rendimento pode aumentar significativamente, impactando positivamente a produção de etanol veicular e até mesmo de biocombustíveis para aviação.

“O Brasil, como um dos maiores produtores de biocombustíveis do mundo, está na vanguarda dessa tecnologia. A CelOCE pode ser incorporada imediatamente às biorrefinarias existentes, aumentando a eficiência e reduzindo custos”, ressalta Murakami. Além disso, a enzima abre novas possibilidades para a biorremediação ambiental e a produção de produtos químicos derivados de biomassa.

Um passo à frente na transição energética

Em um contexto global de urgência climática, a descoberta da CelOCE é um avanço crucial. A capacidade de converter resíduos agroindustriais em biocombustíveis de forma mais eficiente não só reduz a dependência de combustíveis fósseis, mas também contribui para a economia circular, aproveitando materiais que antes seriam descartados.

“Estamos falando de centenas de milhões de toneladas de resíduos que podem ser convertidos em energia e produtos de alto valor agregado. Isso é transformador não apenas para o Brasil, mas para o mundo”, conclui Murakami.

O artigo completo, intitulado A metagenomic ‘dark matter’ enzyme catalyses oxidative cellulose conversion, pode ser acessado em: www.nature.com/articles/s41586-024-08553-z.


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