O grito silencioso da natureza

Autor: Redação Revista Amazônia

A Escala da Devastação

Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e o Sistema de Alarmes da LASA e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mais de 1,2 milhão de hectares já foram devastados pelos incêndios este ano. Este número é três vezes maior que os incidentes registrados em 2022. Leonardo Gomes, diretor executivo do SOS Pantanal, descreve a situação como persistente. Desde 2019, uma combinação de secas e as repercussões das mudanças climáticas têm levado a um número significativo de pontos quentes surgindo no Pantanal.

A Vida Selvagem em Risco

O Pantanal abriga uma diversidade de vida selvagem, com mais de 2.000 espécies de plantas, 174 mamíferos, 580 aves, 271 peixes, 131 répteis e 57 anfíbios. Entre seus habitantes estão várias espécies vulneráveis e ameaçadas, incluindo a lontra gigante, o tamanduá-bandeira, o tatu-canastra, a anta e o maior papagaio do mundo, a arara-azul-grande. Além disso, o Pantanal abriga a maior densidade de onças-pintadas no mundo.

Luciana Leite, bióloga e ativista climática, destaca que o Pantanal é um importante sumidouro de carbono, desempenhando um papel fundamental na regulação do clima da América do Sul. No entanto, este ano, enfrentamos uma seca atípica com aumento das temperaturas e ondas de calor, e como resultado, os incêndios retornaram.

Fatores Contribuintes

Um dos fatores que contribuem para a rápida propagação do fogo é a perda de água superficial. “Desde 1985, o Pantanal perdeu 74% de suas águas superficiais”, disse Leite. Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), falou sobre uma das questões que afetam a região. “O Pantanal enfrenta um conjunto de desafios, com suas terras passando por uma seca crescente. A instalação de mais de 500 pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) na bacia do Alto Paraguai, fonte de água crucial para a região, alterou o ritmo natural das águas, dificultando o enchimento da várzea”, disse.

Gomes falou sobre sua experiência. “No Pantanal, áreas remotas específicas passam por rápidas transições de inundação para secagem rápida, em um prazo de aproximadamente dois meses, levando a incêndios que impossibilitam o acesso a esses locais. As condições desafiadoras nessas regiões de difícil acesso complicam ainda mais a gestão eficaz.”

Alguns meteorologistas atribuem o aumento dos incêndios ao fenômeno El Niño, intensificado pelas mudanças climáticas. No entanto, os pecuaristas que buscam expandir as pastagens, uma atividade econômica crucial no Pantanal, podem ter iniciado um número substancial desses incêndios.

De acordo com relatório da EJF, uma área total de 751.249,6 hectares de floresta, savana, pastagens e formações de áreas úmidas no Pantanal foram convertidas em pastagem entre 2010 e 2021. A população total estimada de bovinos no Pantanal brasileiro é de 3,8 milhões de animais.

Entre 2019 e 2022, uma área equivalente ao tamanho de Barcelona foi desmatada no Pantanal. Infelizmente, essa situação parece estar se agravando, agravada pelo El Niño, pelas mudanças climáticas e pela expansão do agronegócio. Aproximadamente 12% da vegetação nativa do Pantanal desapareceu devido ao crescimento da pecuária e das práticas agrícolas.

Agostinho disse: “Embora o Pantanal continue sendo o bioma mais conservado do Brasil, as taxas de desmatamento aumentaram. A redução da umidade levou os proprietários de terras a deslocarem seus investimentos para a agricultura.”

“As terras no Pantanal estão sendo vendidas a preços mais baixos em comparação com as de outras partes de Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Em áreas mais úmidas, os proprietários estão direcionando os investimentos para os esforços de drenagem para converter terras em áreas cultivadas”, acrescentou.

A Necessidade de Ação

Steve Trent, fundador e CEO da Environmental Justice Foundation (EJF), disse: “Embora grande parte da vida selvagem e dos ecossistemas do Pantanal tenham sido irrevogavelmente destruídos, ainda há tempo para resgatar o que resta. Temos feito campanha para que a UE amplie o escopo da regulamentação sobre produtos livres de desmatamento para incluir ecossistemas preciosos além das florestas, para proteger zonas úmidas como o Pantanal.”

Trent mencionou: “A carne bovina que comemos, do Reino Unido à Itália, poderia ser fornecida por fazendeiros responsáveis por atear esses incêndios destrutivos. Isso significa que a comunidade internacional tem a responsabilidade – mas também a capacidade – de deter as queimadas no Pantanal.”

“É hora de mais regulamentação, incluindo sobre direitos humanos obrigatórios e diligência ambiental, e melhorar e cumprir os compromissos climáticos internacionais.” As comunidades locais e indígenas também estão sofrendo, pois suas terras foram completamente destruídas pelos incêndios.

A hipótese sugere que tais atrasos servem a um propósito tático, permitindo que as autoridades declarem estado de emergência. Esse movimento estratégico permite que eles aloquem recursos sem serem constrangidos pelos habituais processos burocráticos e licitatórios exigidos em “tempos normais”. Esse fenômeno é conhecido como “a indústria do fogo”.

Liana O Anderson, bióloga e pesquisadora do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta Precoce de Desastres Naturais (Cemaden), compartilhou algumas informações sobre alguns projetos interessantes focados na prevenção de incêndios.

O primeiro projeto é o Climate Science for Service Partnership (CSSP) Brasil, em colaboração com o MetOffice, cujos resultados estão disponíveis no site do VIEWpoint. Como um dos componentes deste projeto, eles desenvolveram uma probabilidade de incêndios até três meses à frente, o que indica áreas prioritárias.


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