Faltando poucos meses para a realização da COP30, programada para ocorrer em Belém do Pará, paira uma nuvem pesada sobre o maior evento de debates climáticos do planeta. Mas não é apenas o aquecimento global que preocupa: o que realmente ameaça as articulações internacionais é a provável ausência dos Estados Unidos das negociações centrais. E esse não é um detalhe protocolar, é um obstáculo de ordem geopolítica com impacto direto sobre os resultados esperados da conferência.

Uma COP sem os EUA: o vácuo que paralisa
Marcello Brito, engenheiro de alimentos com longa atuação no agronegócio e atualmente enviado especial para os estados subnacionais da Amazônia pelo Consórcio Amazônia Legal, alerta que a COP30 não será palco de grandes acordos como os que ocorreram em Paris ou Glasgow. A razão? A cadeira vazia de Washington.
“Quando tiramos um país como os Estados Unidos da mesa, a situação não vai para frente”, resume Brito, em um diagnóstico que revela mais do que um desânimo: revela uma estrutura internacional ainda refém da vontade das grandes potências.

O consenso impossível
Na mecânica multilateral da ONU, qualquer decisão significativa precisa passar pelo crivo do consenso. Um único país com voto contra pode travar o andamento de propostas. E os Estados Unidos, além de serem historicamente o maior emissor de gases de efeito estufa, ainda detêm uma posição de comando entre as nações ricas, papel que exerceram com força no Acordo de Paris, em 2015, quando Barack Obama articulou com a China um entendimento que pavimentou o tratado.
Hoje, o cenário é outro. Há ruídos, desacordos e um vazio de liderança que tende a inviabilizar avanços concretos. A principal vítima dessa paralisia é uma das pautas mais urgentes da agenda climática: o financiamento climático.
Desde a Conferência de Copenhague, em 2009, os países ricos prometeram mobilizar US$ 100 bilhões por ano até 2020 para apoiar as nações em desenvolvimento na transição ecológica e adaptação aos impactos do aquecimento global. Em 2015, o compromisso foi renovado até 2025, mas o dinheiro não veio como prometido. E, agora, discute-se não apenas a continuidade, mas a ampliação dessa cifra para US$ 1,3 trilhão até a COP30, uma proposta liderada pelo bloco dos Brics. Só que sem os EUA na conversa, quem assina o cheque?

Financiamento climático: uma promessa que envelheceu mal
A retórica das grandes potências é bonita nos discursos, mas falha nos extratos bancários. O financiamento climático, quando ocorre, muitas vezes vem em forma de empréstimos com juros ou garantias condicionadas. Pouco se materializa em doações diretas ou investimentos estruturais robustos.
É nesse ponto que a COP30, sediada em plena Amazônia, ganharia contornos simbólicos poderosos. Não apenas por acontecer em um dos biomas mais estratégicos do mundo, mas por ser uma oportunidade para dar corpo a compromissos frequentemente adiados. No entanto, como lembra Brito, “não há espaço geopolítico para negociar nada” neste momento.
Ainda assim, desistir não é uma opção. O presidente da COP30, o diplomata André Corrêa do Lago, tem buscado ressignificar o papel da conferência. Em comunicações recentes com a comunidade internacional, ele aponta para uma COP mais realista, menos focada em grandes acordos formais e mais centrada na mobilização de atores já engajados.
Entre os objetivos centrais, estão deter e reverter o desmatamento até 2030, acelerar a transição energética e transformar os sistemas alimentares. A mensagem é clara: se os acordos não vierem de cima, que cresçam pelas bordas.

O papel do Brasil: pragmatismo e oportunidades
Diante de um tabuleiro internacional travado, o Brasil optou por uma abordagem pragmática. A ideia é construir alianças com países dispostos a negociar, mesmo que em ritmo mais lento, como a China e a União Europeia. Brito enxerga aí uma chance de evolução: “Não serão feitos em tempo recorde, como quando os EUA estão presentes, mas pode ter evolução”.
E é justamente nesse espaço que o setor privado começa a emergir como ator relevante. Brito, com longa trajetória na articulação entre clima e agro, acredita que o agronegócio brasileiro pode ocupar uma posição central na discussão global. E não apenas como parte do problema, mas como portador de soluções.
O argumento é robusto. Hoje, quase 70% do financiamento do agro no Brasil vem do setor privado. O Plano Safra já não é o único pilar. “Tenho certeza de que no decorrer dos próximos meses e anos, o agro vai investir ainda mais na transição climática. Somos uma caixinha de soluções”, afirma Brito.
Essa “caixinha” inclui agricultura regenerativa, uso racional de insumos, manejo florestal sustentável e integração lavoura-pecuária-floresta. São caminhos reais, alguns já em prática que podem ser ampliados com financiamento internacional, inclusive de fundos privados interessados em ativos sustentáveis.
O agro como protagonista climático?
Talvez a imagem mais reveladora da nova postura brasileira tenha sido a presença de Brito na Semana do Clima de Londres, realizada no final de junho. Ali, o Brasil foi percebido com olhos menos céticos. “Eles sabem que podemos ter uma agricultura resiliente e regenerativa ou mesmo acabar com o desmatamento”, relata.
Essa confiança externa se baseia em um paradoxo: o Brasil, ao mesmo tempo em que carrega uma mancha ambiental ligada ao desmatamento ilegal, também possui um dos maiores potenciais de regeneração ambiental do planeta. E isso atrai investidores.
A retórica internacional sobre o clima mudou. Já não se espera apenas promessas de governos, mas evidências concretas de que a transformação está em curso. A COP30 pode não firmar acordos históricos, mas pode colocar o Brasil como vitrine de práticas viáveis e, quem sabe, inspirar outros países a seguir.
Quando as ausências também são reveladoras
A ausência dos Estados Unidos não é apenas um dado político. Ela é um sinal claro de que os modelos de governança climática precisam ser reinventados. A dependência de consensos impossíveis, as promessas não cumpridas e os bloqueios geopolíticos minam a confiança coletiva.
Mas, como toda crise, essa também traz oportunidades. Com as potências tradicionais hesitantes, abre-se espaço para que países como o Brasil, com biodiversidade única, matriz energética limpa e um setor privado em mutação, assumam o protagonismo.
Essa COP pode não ser memorável pelos tratados assinados, mas poderá ser lembrada como o momento em que o jogo mudou de mãos.









































