Políticas da maré,  governança fragmentada da Amazônia Azul


Administrar o mar é tarefa complexa, são desafios; exige conhecimento profundo, articulação institucional, presença constante e, sobretudo, visão.

Brasil

Falta de coesão

Mas o que se vê no Brasil é um conjunto disperso de esforços, instrumentos e intenções que, apesar de relevantes, não formam ainda um projeto coeso para a Amazônia Azul. Essa vastidão marinha segue sendo gerida como um quebra-cabeça cujas peças estão nas mãos de diferentes ministérios, com diferentes lógicas, tempos e prioridades.

A Política Nacional para os Recursos do Mar (PNRM) é talvez o instrumento mais antigo e estruturado para lidar com o mar brasileiro. Criada com o objetivo de orientar o uso sustentável dos recursos vivos, minerais e energéticos, ela abrange pesca, biodiversidade, turismo, minerais, aquicultura, mas curiosamente exclui o transporte marítimo de carga, como se o mar pudesse ser fracionado segundo interesses setoriais.

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Fonte: Agência CBIC

A Política Marítima Nacional (PMN), por sua vez, data de 1994. Em um mundo que passou por três décadas de transformações tecnológicas e ambientais, seu descompasso é evidente. Em 2021, um Grupo de Trabalho Interministerial foi criado para atualizá-la. Passo importante, mas ainda embrionário.

Comissão Interministerial para os Recursos do Mar

Por trás dessas políticas, encontra-se a CIRM, Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. Criada em 1974, ela é composta por representantes de uma miríade de ministérios e é coordenada pela Marinha do Brasil, que ocupa papel central na governança oceânica do país. Essa estrutura, embora ampla, escancara uma assimetria: das onze ações do X Plano Setorial para os Recursos Marinhos (2020-2023), apenas uma, dedicada à conservação da biodiversidade marinha, é coordenada pelo Ministério do Meio Ambiente. As demais estão sob comando da Marinha ou de outros órgãos. O MMA, mesmo com competências como o licenciamento ambiental e o monitoramento de impactos, não tem protagonismo. Falta-lhe não apenas voz, mas função estruturante.

Essa fragmentação tem consequências reais. Recursos vivos e não vivos são tratados separadamente, como se fossem de naturezas inconciliáveis. Setores econômicos atuam isoladamente, sem comunicação intersetorial. O resultado é a ausência de uma política integrada, algo fundamental para um território que exige gestão sinérgica. Afinal, no mar tudo se conecta: a atividade de um setor pode impactar a subsistência de outro, o desequilíbrio ambiental em um ponto pode gerar colapsos em cadeia.

Complexidade e desafios

A complexidade se agrava quando se trata de proteger infraestruturas críticas, como os cabos submarinos que conectam o Brasil ao mundo. Esses cabos são invisíveis ao olhar comum, mas fundamentais para a internet, telefonia e fluxos de dados. São artérias digitais de um país em rede. O programa SisGAAz, desenvolvido pela Marinha, é um passo importante no monitoramento da Amazônia Azul e do Atlântico Sul, mas ele não substitui a ausência de um planejamento integrado, que contemple também as dimensões sociais e ambientais.

O derramamento de óleo de 2019/2020 escancarou essa ausência de preparação. Não apenas pela magnitude do desastre – o maior já registrado no país – mas pelo desamparo das populações atingidas: pescadores, trabalhadores do turismo, comerciantes informais. Mais de 144 mil pescadores artesanais no Nordeste foram afetados. A resposta foi tardia, difusa, burocrática. A crise mostrou que a proteção da Amazônia Azul é, antes de tudo, uma questão de justiça social.

Horizonte promissor

Algumas iniciativas recentes apontam para um horizonte mais promissor. A criação do Grupo Técnico “PIB do Mar” visa justamente suprir a lacuna de dados e oferecer um panorama real da contribuição marítima à economia nacional. Em paralelo, a adesão à iniciativa internacional “Blue Justice”, voltada ao combate ao crime organizado na pesca, é um sinal de alinhamento com agendas globais. Mas não basta aderir: é preciso implementar, fiscalizar, transformar essas adesões em mudança concreta.

Screenshot-2025-07-22-192042 Políticas da maré,  governança fragmentada da Amazônia Azul
Fonte: CONAFER

A gestão da Amazônia Azul é como reger uma sinfonia de muitos instrumentos. Há violinos, trompas, percussão, sopros. Cada um com sua partitura, seu ritmo, sua ambição. Mas sem um maestro, sem uma partitura comum, a música não se harmoniza. O Brasil precisa assumir o mar não apenas como riqueza, mas como responsabilidade compartilhada. E isso exige uma política integrada, um Estado articulado e uma sociedade ciente da grandiosidade dessa música submersa que é a Amazônia Azul.