Da chuva ao copo: startup pernambucana transforma água em esperança


No Brasil, 35 milhões de pessoas ainda não têm acesso regular à água tratada. Esse dado, por si só alarmante, se agrava em regiões onde o saneamento básico é precário e as chuvas intensas viram sinônimo de alagamentos e deslizamentos. Recife, uma das capitais mais vulneráveis, exemplifica bem o desafio: 207 mil pessoas vivem em áreas de risco, segundo a prefeitura, o que representa 13% da população local.

Pluvi - Divulgação

Foi nesse cenário de vulnerabilidade que nasceu a Pluvi. Criada em 2021 no Pólo Tecnológico da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a startup surgiu da convicção de que a ciência não deveria ficar restrita aos laboratórios. Sob a mentoria da professora Sávia Gavazza, duas décadas de pesquisa em aproveitamento de água da chuva se transformaram em soluções práticas para comunidades que convivem diariamente com a escassez.

O principal produto da Pluvi é o PluGoW, um sistema que capta, trata e distribui água da chuva. Autoportante, pode operar com energia solar e utiliza barreiras físicas para separar as primeiras águas — mais poluídas — antes de purificá-las. A grande inovação está em dispensar produtos químicos, algo raro em modelos convencionais, mas que garante água potável dentro dos padrões do Ministério da Saúde.

Até agora, o sistema já produziu mais de 10 milhões de litros de água potável em comunidades da Região Metropolitana do Recife, como Alto da Telha e Jardim Monte Verde. O impacto econômico também é significativo: o volume equivale a mil caminhões-pipa, o que representa uma economia de aproximadamente R$ 250 mil.

Territórios de risco, territórios de inovação

O PluGoW ganhou visibilidade nacional ao ser instalado no Jardim Monte Verde, área entre Recife e Jaboatão dos Guararapes marcada pelo desastre de maio de 2022. Chuvas torrenciais provocaram deslizamentos que deixaram 44 mortos e 750 famílias sem casa.

Pesquisas da UFPE indicam que, se usado em larga escala, o sistema poderia reter até 30% da água da chuva, aliviando a pressão sobre o solo e os sistemas de drenagem urbana. Mais do que reduzir riscos de enchentes, a tecnologia transformou a percepção dos moradores sobre o próprio clima. “Hoje, a chuva virou motivo de comemoração”, relata Silvia do Nascimento, moradora da comunidade, lembrando a diferença entre carregar baldes e ter acesso a água corrente após cada temporal.

Esse impacto levou o governo de Pernambuco a incluir a tecnologia no maior programa de contenção de encostas do país. Um convênio de R$ 6 milhões prevê a instalação de 400 unidades em áreas críticas, marcando um passo histórico na integração entre inovação tecnológica e políticas públicas.

Para Isabelle Câmara, CEO da Pluvi, o que move a equipe é a possibilidade de ver resultados imediatos. “Não há nada mais gratificante para um pesquisador do que ver a ciência sendo transformada em impacto real”, afirma. Essa convicção conecta a trajetória da startup à tendência global de transformar pesquisa acadêmica em soluções escaláveis.

O Sebrae, parceiro da Pluvi desde 2020, foi peça-chave nesse processo. A startup participou do programa Catalisa ICT, foi incubada na UFPE e recebeu apoio para transformar tecnologia em modelo de negócio viável. Essa ponte entre ciência e mercado ajudou a ampliar a atuação da empresa e a projetá-la para além do Brasil.

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Filtro para água da chuva, PluGoW – Pluvi

Reconhecimento internacional e protagonismo feminino

Em 2024, a Pluvi foi uma das duas empresas brasileiras lideradas por mulheres a conquistar reconhecimento no BRICS Women’s Startups, realizado em Moscou. Concorrendo com mais de mil startups de 28 países, venceu na categoria Inovação e Infraestrutura. O feito ganha peso num cenário em que menos de um terço das startups brasileiras de tecnologia são comandadas por mulheres.

“A história da Pluvi mostra como o Sebrae existe para transformar conhecimento em impacto real, apoiar o empreendedorismo feminino e preparar negócios para competir em escala global”, destacou a instituição ao celebrar a conquista.

A trajetória da Pluvi é a primeira de uma série chamada Construindo Futuros, dedicada a narrar histórias de impacto de negócios liderados por mulheres. Mais que um case de inovação, ela representa uma mudança de paradigma: transformar a chuva — que tantas vezes significa tragédia em regiões vulneráveis — em fonte de vida, autonomia e esperança.

Ao unir ciência, empreendedorismo e políticas públicas, a startup pernambucana mostra que o futuro pode, literalmente, cair do céu.