Todos os anos, antes mesmo de a temporada de gripe começar, autoridades de saúde no mundo inteiro enfrentam um dilema: prever quais cepas do vírus influenza circularão com maior intensidade para decidir a formulação da vacina. O processo é complexo, cheio de incertezas e, muitas vezes, sujeito a erros que comprometem a eficácia da proteção e pressionam os sistemas de saúde.

Foi com esse desafio em mente que cientistas do MIT Computer Science and Artificial Intelligence Laboratory (CSAIL) e do MIT Abdul Latif Jameel Clinic for Machine Learning in Health desenvolveram o VaxSeer, uma ferramenta de inteligência artificial voltada para prever a evolução do vírus e indicar as cepas mais adequadas para a formulação da vacina. A inovação, apresentada em artigo publicado na revista Nature Medicine, promete transformar o processo de escolha das vacinas sazonais contra a gripe.
Enquanto métodos tradicionais analisam mutações individuais de aminoácidos, o VaxSeer adota um modelo avançado de linguagem de proteínas capaz de captar como diferentes mutações interagem entre si e alteram a dominância viral. O sistema incorpora ainda a dinâmica de competição entre variantes, tornando suas previsões mais realistas para um vírus tão mutável quanto o influenza.
Na prática, o VaxSeer reúne dois motores centrais: um avalia a probabilidade de cada cepa se tornar dominante, e o outro calcula o quão eficaz uma vacina seria para neutralizá-la. Esses dados são sintetizados em um “índice de cobertura preditiva”, que indica a adequação entre a vacina proposta e as variantes que provavelmente circularão.
A eficácia do modelo foi avaliada em uma análise retrospectiva de dez anos, comparando suas recomendações às da Organização Mundial da Saúde (OMS) para duas subtipagens principais do vírus: A/H3N2 e A/H1N1. Para o H3N2, as escolhas do VaxSeer superaram as da OMS em nove das dez temporadas analisadas. No caso do H1N1, o sistema se mostrou igual ou superior em seis das dez temporadas. Em um episódio emblemático, o modelo apontou em 2016 uma cepa que só seria incluída pela OMS no ano seguinte.
Essas previsões também mostraram forte correlação com dados de eficácia vacinal reportados por diferentes sistemas de vigilância, como o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o Canada’s Sentinel Practitioner Surveillance Network e o I-MOVE, que monitora a gripe em países europeus.

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O funcionamento interno do VaxSeer combina modelos de linguagem com equações diferenciais ordinárias, simulando a propagação viral ao longo do tempo. Para avaliar a antigenicidade, a ferramenta estima o desempenho das vacinas no tradicional teste de inibição da hemaglutinação, que mede a capacidade dos anticorpos de bloquear a ligação do vírus às células humanas.
Segundo Wenxian Shi, doutorando no Departamento de Engenharia Elétrica e Ciências da Computação do MIT e autor principal do estudo, o diferencial do VaxSeer está em acompanhar as mudanças dinâmicas da dominância viral, algo fundamental diante da velocidade com que o influenza evolui.
Regina Barzilay, professora do MIT e líder de IA no Jameel Clinic, ressalta que a ferramenta é uma tentativa de “correr atrás” do ritmo da evolução viral. Para ela, a maior promessa da pesquisa não está apenas no trabalho publicado, mas na perspectiva de expandir o método para cenários de poucos dados. Isso abriria caminho para prever a evolução não só da gripe, mas também de bactérias resistentes a antibióticos ou mesmo de cânceres que se adaptam rapidamente a tratamentos.
O projeto contou ainda com contribuições do pesquisador Jeremy Wohlwend e de Menghua Wu, ambos ligados ao CSAIL. O financiamento veio em parte da Defense Threat Reduction Agency e do MIT Jameel Clinic.
Atualmente, o VaxSeer está limitado a analisar a proteína HA (hemaglutinina), principal antígeno do vírus influenza. Os próximos passos incluem integrar a proteína NA (neuraminidase), fatores como histórico imune da população, limites de produção industrial e até regimes de dosagem. A longo prazo, a ambição é aplicar o mesmo raciocínio a outros vírus e doenças, desde que haja dados de qualidade sobre evolução viral e resposta imune.
A corrida entre vírus e vacinas é constante. O VaxSeer, ao unir poder computacional com décadas de dados biológicos, oferece uma chance de inverter essa lógica: antecipar movimentos da evolução viral e preparar defesas antes que a próxima mutação chegue.









































