A 3ª Conferência Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (3ªCNDRSS) abriu em Brasília um novo capítulo no debate sobre os rumos da agricultura brasileira. No coração das discussões está a transformação agroecológica, apontada como chave para enfrentar as mudanças climáticas, fortalecer a justiça social e garantir o bem viver nos territórios rurais.

O encontro reuniu 28 setores de povos e comunidades tradicionais, trazendo para o centro da política pública vozes historicamente marginalizadas, mas que guardam a memória, a cultura e a biodiversidade do país.
De acordo com Samuel Carvalho, secretário-executivo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Sustentável e Solidário (Condraf), a conferência busca mostrar que o futuro das cidades depende diretamente da vitalidade dos territórios rurais. “É no rural que se produzem os alimentos, que se protege a biodiversidade e que se garante a vida, inclusive nas áreas urbanas. Nosso desafio é valorizar e priorizar esse papel estratégico, articulando produção, meio ambiente e segurança alimentar”, afirmou.
Os setores representados no encontro são múltiplos e revelam a diversidade cultural do Brasil: andirobeiros, apanhadores de flores sempre-vivas, caatingueiros, caiçaras, catadores de mangaba, ciganos, comunidades de fundo e fecho de pasto, extrativistas, faxinalenses, geraizeiros, ilhéus, indígenas, isqueiros, morroquianos, pantaneiros, pescadores artesanais, piaçaveiros, pomeranos, povos de terreiro, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, retireiros, ribeirinhos, seringueiros, vazanteiros e veredeiros. Juntos, eles estão elaborando 30 propostas que serão levadas à etapa nacional da conferência, prevista para março de 2026.

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Entre as reivindicações, a proteção dos territórios e das pessoas aparece como questão central. Para Maria Alaídes Alves, coordenadora do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu, que atua no Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, não se trata apenas de preservar o espaço físico, mas também de garantir segurança aos corpos que resistem nesses territórios. “Falamos de saúde, falamos da crise climática, mas também da violência que ainda enfrentamos com invasores e grileiros. É preciso proteger os territórios e proteger os corpos que os sustentam”, destacou.
Essa dimensão da violência e da invisibilidade também foi abordada por Taata Kommannanjy, representante nacional da Rede de Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil. Ele lembrou que, apesar da diversidade de categorias presentes, muitas seguem ignoradas pelo Estado e pela sociedade. “Não podemos aceitar que apenas duas ou três comunidades sejam visibilizadas enquanto as demais permanecem invisíveis. Queremos políticas públicas que cheguem a todos os povos e a todos os territórios, de Norte a Sul do país”, disse.
A conferência setorial dos povos tradicionais é a segunda de três etapas preparatórias para a fase territorial e, posteriormente, para a nacional. A primeira reuniu jovens rurais e tratou do eixo transversal Autonomia e Emancipação da Juventude e Sucessão Rural. A etapa atual traz como eixo principal a Valorização dos Saberes Tradicionais dos Velhos, reconhecendo o papel dos anciãos como guardiões de conhecimento. Em outubro, acontecerá a terceira reunião, com foco na Autonomia Econômica das Mulheres Rurais.
Além desses, outros cinco eixos temáticos orientam a construção coletiva da conferência: agroecologia, produção sustentável, economia solidária, acesso à terra e fortalecimento da agricultura familiar. Todos buscam orientar políticas públicas que garantam não apenas a preservação dos biomas, mas também a soberania alimentar e a equidade social.
Samuel Carvalho destacou ainda que o processo tem buscado a maior abrangência possível. O objetivo é que todos os 27 estados brasileiros realizem suas conferências estaduais, assegurando representatividade e legitimidade às propostas que chegarão à etapa nacional. “Estamos no esforço de alcançar todos os territórios, para que a diversidade esteja presente nas discussões e para que a construção seja, de fato, coletiva e inclusiva”, afirmou.
No fundo, a conferência setorial é mais do que um espaço de debate: é um território simbólico de resistência e de construção de futuros. Ali, povos que há séculos preservam saberes e modos de vida se colocam como protagonistas de uma agenda de transformação agroecológica que, se levada a sério, poderá redefinir a relação entre campo, cidade e natureza no Brasil.










































