O financiamento climático desponta como uma das fronteiras decisivas da COP30: não apenas uma pauta técnica, mas o cerne de escolhas estratégicas sobre quem paga e quem lucra na transição para um mundo mais resiliente. Em Belém (PA), entre 10 e 21 de novembro, diplomatas e ativistas voltarão os holofotes para a urgência de redistribution de recursos destinados à mitigação e à adaptação às mudanças climáticas, especialmente para os países mais vulneráveis.

Para Maria Netto, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), com três décadas de engajamento no tema, financiamento climático significa “recursos públicos ou privados, concessionais ou comerciais, mas orientados a atividades com impacto climático”: projetos de energia renovável, restauração florestal, tecnologias de remoção de carbono ou ações que permitam às comunidades resistirem aos impactos extremos do clima. Em outras palavras, é o capital que alimenta o motor da transformação, não como compensação simbólica, mas como alavanca concreta para reduzir emissões e fortalecer territórios fragilizados.
No plano global, o financiamento climático engloba fluxos públicos, privados ou híbridos, operados em níveis local, nacional e internacional, com o objetivo de viabilizar as políticas climáticas definidas pelos países. No âmbito governamental, esses recursos podem emergir de orçamentos nacionais ou fundos internacionais, como o Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund) ou o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF). No setor privado, entram empresas, investidores, doações individuais, linhas de crédito “verdes” e mecanismos financeiros estruturados para potencializar projetos com apelo climático.
Um dos dilemas mais agudos é a assimetria de capacidades: enquanto economias mais robustas têm margem para emitir, investir ou subscrever riscos, as nações com menor potência econômica padecem sob pressões climáticas e fiscais simultâneas. Maria Netto ressalta que alguns países africanos já se veem em uma encruzilhada, em que a queda na produtividade derivada de secas ou cheias reforça fragilidades macroeconômicas. Nesse contexto, ela defende que os países historicamente responsáveis pelas maiores emissões deveriam assumir protagonismo financeiro para viabilizar a ação climática global.

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O desafio de Belém será romper um bloqueio deixado pela COP29, em Baku (2024), quando as negociações sobre financiamento climático ficaram contidas. Para 2025, países do Sul Global planejam apresentar uma nova meta: elevar o compromisso para US$ 1,3 trilhão anuais, um salto expressivo frente aos US$ 300 bilhões que constavam como meta anterior. Esse plano, conhecido como Roteiro de Baku a Belém, está sendo tecido a partir de consultas entre governos, bancos multilaterais, instituições financeiras, academia e sociedade civil. Ele visa harmonizar agendas e práticas e garantir que nações em desenvolvimento tenham acesso contínuo e robusto a esses fluxos até 2035.
O Brasil já deu sinais de protagonismo nesse esforço. Em Bonn (Alemanha), apresentou o roteiro a parceiros internacionais, articulando-o como ponte entre decisões da COP29 e as deliberações que se desenharão em Belém. Ministério da Fazenda lidera a articulação diplomática por meio do Círculo de Ministros de Finanças da COP30, um fórum inédito que reúne 36 ministros de países convidados para construir um plano financeiro integrado.
Nesse contexto, o iCS, que tem entre suas estratégias a intermediação de recursos para iniciativas climáticas e a promoção de diálogo entre setores, emerge como peça-chave. A organização também participa da concepção de um novo Centro de Finanças Climáticas, em parceria com a Climate Arc, com objetivo de produzir análises que subsidiem decisões do setor privado rumo a uma economia de baixo carbono. Em paralelo, o iCS financia pesquisas e políticas ligadas à transição energética, bioeconomia e sistemas agrícolas sustentáveis no Brasil.
A urgência desse debate é maior do que a pura cifra monetária. Tal como Maria Netto alerta, não basta alcançar metas numéricas: os recursos devem chegar efetivamente às realidades mais atingidas, em formas que evitem sobre-endividamento ou dependência, privilegiando concessões, subsídios e instrumentos financeiros não baseados em dívidas. Também será central negociar critérios de elegibilidade acessíveis a países frágeis, e mecanismos de transparência e avaliação para garantir que recursos aplicados de fato gerem impacto climático e social.
No horizonte da COP30, o financiamento climático aparece como o verdadeiro teste de credibilidade da agenda global: haverá capacidade política, técnica e financeira de lastrear compromissos com recursos tangíveis? Se Belém sair com um roteiro robusto, dotado de acompanhamento, accountability e instrumentos inovadores, poderá converter promessas em ação.





































