Amazonas desponta como fronteira global das terras raras


No coração da Amazônia, uma nova corrida mundial por recursos estratégicos está em curso — e o Amazonas surge como protagonista. Relatórios do governo estadual e da Agência Nacional de Mineração (ANM) indicam que o estado abriga a segunda maior reserva de terras raras do Brasil, atrás apenas de Minas Gerais. Esses minérios, essenciais para tecnologias que vão de carros elétricos a mísseis de defesa, recolocam o território amazônico no centro das disputas entre Estados Unidos e China, em um cenário em que a geopolítica se mistura a desafios ambientais e sociais.

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As chamadas terras raras não formam um único minério, mas um grupo de 17 elementos químicos encontrados juntos na natureza. São eles que garantem o funcionamento silencioso de motores elétricos, turbinas eólicas, celulares, drones, radares e equipamentos de ponta. Nos últimos anos, a demanda global disparou. Em meio à disputa comercial entre Washington e Pequim, o então presidente norte-americano Donald Trump pressionou aliados, incluindo o Brasil, por acesso a essas jazidas. A China, por sua vez, segue liderando com folga a produção e o refino mundial.

Pitinga e Morro dos Seis Lagos: epicentros da disputa

Uma nota técnica da Secretaria Executiva de Mineração do Amazonas destaca duas áreas de destaque no estado: a mina de Pitinga, em Presidente Figueiredo, e o Morro dos Seis Lagos, em São Gabriel da Cachoeira. A primeira é operada pela Mineração Taboca, que desde 2024 pertence à empresa chinesa China Nonferrous Trade (CNT), enquanto a segunda se encontra próxima a territórios indígenas e unidades de conservação na fronteira com Colômbia e Venezuela.

“Em Pitinga, o material está todo britado. Há cerca de três milhões de toneladas de rejeitos com até 1% de terras raras, o que representa um valor altíssimo”, explica Ronney Peixoto, secretário de Gás, Mineração e Energia do Amazonas. A mina já conta com infraestrutura consolidada e autorização para operar até 2052, o que a torna atrativa para investidores. O desafio, porém, é lidar com a presença de urânio e tório, elementos radioativos que exigem controle rigoroso, além da sobreposição a áreas ambientalmente sensíveis.

O secretário cita ainda um terceiro ponto de interesse: o município de Apuí, no sul do estado, onde a australiana Brazilian Critical Minerals identificou presença de elementos como neodímio, praseodímio, disprósio e térbio — substâncias vitais para ímãs permanentes usados em veículos elétricos e turbinas eólicas.

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Foto: Antônio Lopes/Sema-AM

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Reservas estratégicas e riscos ambientais

Segundo o Sumário Mineral 2024 da ANM, o Brasil detém cerca de 11,4 milhões de toneladas de terras raras, o equivalente a 10,8% das reservas globais. O país ocupa o quarto lugar no ranking mundial, atrás de China, Vietnã e Rússia — embora estimativas independentes coloquem o Brasil na segunda posição. O potencial do Amazonas é expressivo, mas o entusiasmo esbarra em questões complexas: radioatividade, licenciamento ambiental e presença em terras indígenas.

O geólogo e advogado Elias Santos Júnior, da Ghaia Licenciamento Ambiental, explica que a extração e o refino desses elementos envolvem processos delicados e ambientalmente arriscados. “A separação dos minerais demanda reagentes e solventes químicos que, se mal geridos, podem gerar rejeitos tóxicos e lama radioativa. No entanto, já existem tecnologias capazes de reduzir significativamente esses impactos”, afirma. Ele cita avanços em reciclagem de eletrônicos e em métodos de refino menos agressivos, que podem tornar a cadeia mais sustentável.

Entre a transição energética e a pressão sobre territórios tradicionais

Os defensores da mineração de terras raras a tratam como chave para a transição energética e a digitalização verde. Mas, para críticos, essa narrativa esconde um ciclo de exploração que repete velhas desigualdades. “A ideia de que precisamos minerar mais para salvar o planeta é enganosa. Ela mantém a lógica colonial de extrair recursos do Sul Global para sustentar o consumo do Norte”, analisa Elisangela Soldateli, coordenadora do programa Energia e Clima para a América Latina da Fundação Rosa Luxemburgo.

Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade de Graz alerta que a exploração desses minerais pode afetar 44% da população indígena e 26% da população quilombola que vivem a até 50 quilômetros das jazidas na Amazônia Legal. No Amazonas, destacam-se as terras indígenas Yanomami e Alto Rio Negro, regiões sob crescente pressão.

Os pesquisadores estimam que 178 mil indígenas e 17 mil quilombolas vivem em áreas potencialmente impactadas pela mineração associada à transição energética — o que representa cerca de 150 mil km² de floresta sob risco.

Em um momento em que o mundo busca reduzir emissões e eletrificar a economia, o Amazonas se vê diante de um dilema histórico: tornar-se uma potência mineral de relevância global ou reafirmar o protagonismo ambiental da Amazônia como pulmão do planeta. O desafio será conciliar ambos.