O Dia da Agricultura, celebrado anualmente em 17 de outubro, assume um novo significado em 2025, ano que marca os cinquenta anos da Embrapa Cerrados. Essa unidade de pesquisa foi protagonista de uma das transformações mais profundas do panorama agrícola brasileiro: a conversão do Cerrado — até então considerado solo pouco fértil e de baixa aptidão — em uma referência internacional de produtividade e sustentabilidade.

Na década de 1970, o Brasil optou por uma virada estratégica quando o governo federal definiu que o Cerrado se tornaria a nova fronteira agrícola do país. Esse planejamento foi inscrito no âmbito do II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975–1979), que colocou a agricultura no centro do crescimento econômico nacional — não apenas para alimentar a população, mas também para gerar matérias-primas industriais, divisas por meio das exportações e estruturar o Brasil como potência agroindustrial. Dentro desse traço de futuro foi criado o Programa de Desenvolvimento dos Cerrados (Polocentro), que impulsionou a fundação, em 1975, do Centro de Pesquisa Agropecuária dos Cerrados, hoje Embrapa Cerrados.
Com os seus 207 milhões de hectares, o Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e possui uma das mais ricas biodiversidades do planeta. É conhecido como o “Berço das Águas do Brasil” por abrigar nascentes que alimentam oito das doze grandes bacias hidrográficas nacionais — entre elas as dos rios Amazonas, São Francisco e Paraná-Paraguai. Transformar esse território em um polo agropecuário exigiu não apenas investimentos em infraestrutura, mas uma revolução científica: mobilizaram-se solos ácidos, clima tropical, baixos teores de nutrientes e sistemas produtivos adaptados à condição local.
Antes dos anos 70, o Cerrado era visto como uma região de baixa aptidão para a agricultura. Os solos ácidos, pobres em nutrientes, o regime seco pronunciado e a fauna adaptada à savana impunham severas limitações ao cultivo extensivo. A pecuária extensiva, o arroz de sequeiro e a extração de madeira ou carvão vegetal dominavam a economia local. Foi nesse cenário que a Embrapa Cerrados entrou com uma missão: adaptar, transformar e viabilizar a produção agrícola em ambientes onde se acreditava ser inviável.

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A partir da investigação científica, da extensão rural e da inovação tecnológica, os pesquisadores conseguiram desvendar caminhos até então negligenciados. Tecnologias para correção dos solos — como a aplicação de calcário e gesso agrícola —, adubação eficiente, manejo de nutrientes e valorização da matéria orgânica permitiram a definição de sistemas produtivos que respeitam os limites naturais do bioma e ao mesmo tempo geram abundância. A chamada fixação biológica de nitrogênio com estirpes de rizóbios adaptadas ao Cerrado é um marco: substituindo fertilizantes nitrogenados, essa inovação tem provocado economia bilionária aos produtores. Em resumo, a ciência tropical apareceu como motor de produtividade.
Nas décadas que se seguiram, a unidade pesquisadora ampliou suas ambições. Culturas até então restritas ao clima temperado foram adaptadas ao Cerrado: soja, milho, algodão, café, frutas tropicais, trigo — todas “tropicalizadas”. Já na década de 1990, a diversificação se aprofundou: cevada, girassol, amendoim, maracujá, quinoa, amaranto entraram no mapa produtivo. A irrigação racional, os sistemas integrados de produção e o amplo envolvimento da agricultura familiar compuseram o mosaico de inovação. O bioma, antes de solo pobre, tornou-se pulsante na produção de alimentos, fibras, carnes, leite e bioenergia.
Um outro avanço decisivo foi o desenvolvimento, em 1995, do Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), uma ferramenta de planejamento que orienta o momento de plantio e reduz perdas agrícolas. Essa ferramenta reduz o risco climático para produtores e torna a produção – tradicionalmente vulnerável – mais robusta. Esse tipo de avanço institucional e tecnológico transformou o Cerrado em laboratório vivo de inovação.
A biodiversidade do Cerrado tem sido também um campo vital de pesquisa. As mais de 6.700 espécies nativas de plantas vêm sendo estudadas para resgatar conhecimentos tradicionais, valorizar a economia regional e construir uma agricultura que convive com a conservação. Espécies como pequi, baru, cagaita e araticum passaram a simbolizar não só frutos da natureza, mas também possibilidades econômicas e culturais. A integração entre ciência moderna e saberes tradicionais ocorreu na restauração de nascentes, na recomposição de áreas degradadas e na valorização da cidadania ambiental local.
Na produção agrícola propriamente dita, a adoção do plantio direto e de sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) ampliou a sustentabilidade da produção: é possível colher grãos, pasto para pecuária e madeira ou frutas no mesmo espaço, aumentando a produtividade por hectare e reduzindo pressão sobre novas áreas. Em sistemas integrados, resultados como até 12 toneladas de grãos por hectare e 12 arrobas de carne por hectare demonstram que intensidade e conservação podem andar juntas.
Ao mesmo tempo, a atuação da Embrapa Cerrados se estendeu à agricultura familiar e ao desenvolvimento rural sustentável. Em localidades como Silvânia (GO) e Unaí (MG), projetos comunitários elevaram a produtividade do arroz em mais de 200 % e a produção de leite em 40 %. Agroecologia, produção orgânica, resgate de sementes tradicionais — tudo isso se tornou parte da estratégia de desenvolvimento local, com ciência carregada de sensibilidade social. Transformar realidades comunitárias reforça a ideia de que tecnologia e equidade caminham juntas.
Hoje, o Cerrado é reconhecido não apenas como uma fronteira agrícola, mas como um modelo global de produção responsável. O desafio agora muda de fase: produzir mais, conservar melhor, garantir que o Cerrado continue sendo o coração produtivo e ecológico do Brasil. A Embrapa Cerrados, com meio século de história, provou que a pesquisa científica é central para esse futuro. Graças ao trabalho de centenas de pesquisadores e à cooperação entre universidades, produtores e instituições internacionais, o Cerrado deixou de ser visto como “terra imprópria” e hoje inspira o mundo.









































