Agricultura tropical, bioenergia e transição: um caminho de convergência

Desktop 780x90 1

Nas florestas tropicais e nos campos agrícolas do Brasil, a paisagem conta uma história de convergência entre alimento, bioenergia e meio ambiente — e não de conflito. Aqui, sistemas produtivos como cana-de-açúcar, milho e soja coexistem integrados, gerando açúcar, etanol, ração, bioeletricidade, proteína vegetal, biogás e alimentos em simultâneo. Essa integração multiplica a produtividade da terra, amplia a renda dos produtores e reduz emissões de gases de efeito estufa.

Foto: Divulgação

Nas últimas cinco décadas, o Brasil se transformou em potência agrícola e energética. Aproximadamente metade da matriz elétrica nacional é renovável — contra uma média global de apenas 14 % — e mais de 30 % da energia vem da bioenergia. Esse esforço evitou emissões equivalentes a cerca de 1,6 bilhões de toneladas de CO₂. Ao mesmo tempo, o país preserva dois terços de seu território sob cobertura florestal e garantiu que 98 % da expansão da cana-de-açúcar ocorresse sobre terras agrícolas ou pastagens degradadas — não sobre florestas originais.

Esses números desafiam a narrativa de que biocombustíveis devoram comida ou florestas. Revisões sistemáticas fundamentadas em mais de 200 estudos mostram que, em dois terços dos casos, o impacto dos biocombustíveis sobre a oferta alimentar foi neutro ou positivo. Brasil à parte: a introdução do etanol de milho não provocou escassez de ração ou alta de preços domésticos — e o país segue entre os maiores exportadores mundiais de milho, soja, carne, açúcar e celulose.

SAF-aviacao-biocombustivel-400x225 Agricultura tropical, bioenergia e transição: um caminho de convergência
Reprodução

VEJA TAMBÉM:Parque de Bioeconomia no Pará transforma floresta em inovação

Mais ainda: há vastas oportunidades no Sul Global para estender esse modelo. Em 11 países aliados, destinar de 0,1 % a 10 % das pastagens degradadas à bioenergia poderia evitar 300 milhões de toneladas de CO₂ por ano, restaurar carbono nos solos e fortalecer economias rurais. No Brasil, o setor sucroenergético formal emprega 87 % das suas equipes e remunera salários 46 % acima da média agrícola. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, por exemplo, quadruplicou a renda de pequenos produtores de soja; as usinas geram energia limpa para mais de 10 milhões de residências.

Chegou o momento de romper o falso dilema entre comida e combustível. No Brasil, produzem-se alimentos, energia e ração em paralelo. Os biocombustíveis de baixo carbono — etanol, biodiesel, HVO e biometano — emergem como parte vital de uma transição energética ordenada, justa e inclusiva. Essa é a proposta que o Brasil apresenta para a presidência da COP30, que ocorrerá em Belém com participação conjunta de Índia, Itália, Japão e outros países.

Mais do que um debate técnico, trata-se de estratégia global. A dependência dos combustíveis fósseis é o risco verdadeiro à segurança alimentar e climática: ao acelerar a mudança do clima, os fósseis reduzem a produtividade agrícola e amplificam eventos extremos. Em contrapartida, a bioenergia sustentável, apoiada por ciência robusta e governança, aponta para um futuro no qual a prosperidade rural, a soberania alimentar e a justiça climática caminham juntas — e o Sul Global assume lugar de protagonismo na transição energética.

Nesse horizonte, a agricultura tropical brasileira torna-se farol: integra alimentos, energia e meio-ambiente; produz mais com menos; gera renda e empregos; evita emissões e prescreve soluções replicáveis mundo afora. A proposta é clara: não há jogo de soma zero entre alimento e combustível — há ganhos mútuos, desde que se combine inovação, política pública e responsabilidade ambiental.