Quase-desmatamento-zero: lições e alertas para o Brasil


A divulgação de uma das menores taxas de desmatamento da história do país representa uma vitória da sociedade brasileira — e carrega consigo duas grandes lições e dois alertas que merecem reflexão. Segundo dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), no último ciclo anual houve um desempenho muito positivo, com o bioma Amazônia atingindo níveis que há muito não se verificavam.

Ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acompanhada da ministra da da Ciência, Tecnologia e Inovações, Luciana Santos, durante divulgação dos dados do Prodes 2025. Foto: Rogério Cassimiro/MMA

A primeira lição é que o objetivo de “desmatamento zero” está, de fato, ao alcance — não é apenas uma meta simbólica, mas uma possibilidade real se houver vontade política e engajamento social. A atual administração assumiu um cenário difícil: no segundo semestre de 2022 houve aumento de cerca de 50% nos alertas de desmatamento após quatro anos de descontrole. Entretanto, graças à aplicação de um conjunto robusto de políticas públicas e repressão ao crime ambiental – desenhadas sob a coordenação da ministra Marina Silva desde o início do governo atual – a devastação retornou aos patamares da fase de redução entre 2011 e 2014. Ao mesmo tempo, no bioma Cerrado, registrou-se o segundo ano consecutivo de queda nas taxas de destruição. Isso demonstra que políticas de monitoramento, fiscalização, embargos e incentivos funcionam de fato.

A segunda lição é que o Ibama — frequentemente retratado como antagonista ou “oposição” às diretrizes de governo — mostrou que pode operar em consonância com a agenda ambiental, caso existam mandato claro e respaldo institucional. Mesmo diante de críticas oriundas do mais alto escalão, o órgão entregou resultados consistentes no atual mandato. Essa aparente retomada de eficácia reforça que instituições independentes e técnicas continuam tendo papel decisivo na governança ambiental.

Mas há dois importantes alertas que emergem desse momento de conquista. O primeiro alerta aponta que, com as “facilidades” de redução já alcançadas, os próximos passos serão mais difíceis — e dependerão cada vez mais de alternativas econômicas eficazes para a Amazônia, o Cerrado e outros biomas, bem como de fortalecimento institucional contínuo. Os setores que lucram com a destruição — desapropriação de terras, grilagem, extração ilegal — estarão sob pressão e provavelmente adotarão estratégias mais agressivas. A reação de fragmentos do agronegócio à divulgação do Plano Clima, a pressão do Congresso para retomar o chamado “PL da Devastação” e a discussão em torno do asfaltamento da BR‑319 – que pode comprometer o controle do desmatamento – são exemplos claros de que a situação ainda está vulnerável.

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Arquivo/Agência Brasil

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O segundo alerta é que controlar o desmatamento não basta para resolver todas as emissões brasileiras de gases de efeito estufa. O foco precisará se deslocar para outros setores — energia, transporte, indústria — porque políticas florestais e de uso da terra, embora essenciais, não representam a única solução. Como alertou Márcio Astrini, secretário-executivo da Observatório do Clima (OC), “o governo dá com uma mão e tira com a outra”: a mesma administração que avança na redução do desmatamento avança simultaneamente na produção de petróleo, contrariando a ciência e potencialmente sabotando o alcance de metas climáticas maiores. Em outras palavras, o setor florestal não pode servir como carta-valete para justificar esquemas que ampliem dependência de combustíveis fósseis ou revertam ganhos ambientais.

A atuação do Observatório do Clima também merece destaque. Fundado em 2002, o OC reúne uma rede de organizações da sociedade civil, institutos de pesquisa e movimentos sociais com o propósito de construir “um Brasil descarbonizado, igualitário, próspero e sustentável”. A plataforma de dados SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) é uma das ferramentas que permitem monitorar de forma independente a evolução das emissões e o uso da terra no país.

No balanço final, o que se tem é uma vitória importante — mas frágil. O Brasil conseguiu retomar o controle sobre parte do ciclo de devastação ambiental, provando que a combinação de vontade política, técnicas de monitoramento por satélite, fiscalização reforçada e envolvimento da sociedade funciona. Porém, essa nova fase exige estratégias mais sofisticadas e integração entre políticas florestais, econômicas e de desenvolvimento. Afinal, conter a derrubada de árvores é só uma face do desafio climático. É igualmente vital garantir que os fluxos de produção, uso de solo, consumo de energia e sobreposição de interesses econômicos não revertam os avanços. Somente assim o país poderá transformar esse momento de conquista em uma trajetória duradoura rumo ao desmatamento zero e à neutralidade climática.