A chuva que alagou Várzea Paulista no ano passado poderia ter sido apenas mais uma tragédia cotidiana. Mas, para um grupo de alunos da Escola Estadual Mitiharu Tanaka, ela se tornou o ponto de partida para imaginar um futuro mais resiliente. Munidos de cadernos, sensores e perguntas, os estudantes saíram às ruas, conversaram com moradores e criaram soluções para evitar novas enchentes: um piso poroso conectado à drenagem e um sistema de alerta precoce capaz de detectar umidade e avisar sobre riscos iminentes.

O projeto rendeu à escola o primeiro lugar na categoria ensino fundamental da quarta edição do Prêmio Ciência para Todos, promovido pela FAPESP em parceria com a Fundação Roberto Marinho e o Canal Futura. A cerimônia de premiação aconteceu no Museu Catavento, em São Paulo, reunindo professores, alunos e gestores que acreditam na ciência como ferramenta de transformação social.
A professora Kethlyn Belmonte, bicampeã do prêmio, viu em seus alunos o que costuma faltar em políticas públicas: protagonismo. “Cada um descobriu um papel: o que gosta de tecnologia, o que se interessa pelo audiovisual, o que organiza o grupo. A ciência se torna viva quando o aluno entende que há um lugar para ele dentro dela”, disse, emocionada.
Invenções que inspiram e resolvem
De Franca a Mogi Guaçu, passando por Itatiba, Campinas e Pedreira, os seis projetos premiados revelam que a pesquisa científica não é monopólio de laboratórios sofisticados. Ela nasce da observação, da curiosidade e da vontade de resolver problemas reais.
Em Campinas, estudantes da Etec Bento Quirino criaram o FishVision, um submarino que realiza biometria não invasiva de tilápias — tecnologia que promete revolucionar a aquicultura ao medir o peso e o comportamento dos peixes sem causar estresse.
Em Itatiba, jovens da Escola Técnica Estadual Rosa Perrone Scavone desenvolveram a Neurync, uma plataforma de comunicação para alunos neurodivergentes enviarem alertas discretos a professores em momentos de desconforto. Inclusão e empatia transformadas em código e hardware.
Já em Mogi Guaçu, o projeto da Escola Municipal Professora Maria Diva Franco de Oliveira combinou inteligência artificial, arte e preservação ambiental. Inspirados pelo rio que dá nome à cidade, os alunos criaram imagens de um futuro distópico marcado pela crise climática e a escassez de água. A partir dessas simulações, nasceu o podcast DivaCast, que reuniu histórias de moradores e reflexões sobre o papel da comunidade na proteção do rio.

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Quando a escola pública vira laboratório de futuro
Para o presidente da FAPESP, Marco Antonio Zago, o prêmio reafirma que a ciência faz parte do cotidiano. “O método científico não é restrito a laboratórios. É uma maneira de olhar o mundo com curiosidade e método”, afirmou. O programa mobilizou mais de cem escolas da rede pública paulista, que participaram de jornadas formativas oferecidas pelo Canal Futura e pela Fundação Roberto Marinho.
O secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, João Alegria, destacou que os jovens sempre surpreendem. “Eles olham para o próprio entorno e encontram soluções criativas para problemas reais. É a ciência aplicada à vida”, disse.
Entre os premiados recorrentes, o professor Henrique Pereira, da Escola Estadual Ângelo Scarabucci, de Franca, conquistou o tricampeonato ao orientar alunos que transformaram uma planta invasora em adubo. Já em Pedreira, o projeto da Escola Estadual Luiz Bortoletto uniu pesquisa científica e saber tradicional ao desenvolver uma farmácia natural baseada em plantas medicinais e conhecimento comunitário.
A professora Tamires Aparecida Bianchi Darioli, bicampeã do prêmio, resumiu o espírito que atravessa todas essas experiências: “É emocionante ver que tudo isso acontece em escolas públicas. Ver alunos do sexto ano usando métodos de pesquisa universitária é a prova de que o futuro da ciência brasileira já começou”.
A ciência que nasce de perguntas simples
Mais do que um prêmio, o Ciência para Todos funciona como uma plataforma de encontro entre educação, curiosidade e cidadania. A cada edição, revela uma geração de jovens que não apenas consome tecnologia, mas a cria. Suas ideias mostram que o Brasil científico e criativo já existe — e que ele floresce nas salas de aula da escola pública, onde o desejo de transformar o mundo ainda é a força mais poderosa.







































