O palco da COP30 em Belém serve de tela para a verdade incontornável: o destino da luta contra a crise climática será decidido no setor de energia. Este setor, responsável por 75% das emissões globais de gases de efeito estufa, é o motor de um modelo de desenvolvimento, com mais de 200 anos de idade, que a Terra já não comporta. O desafio é gigantesco, mas a inação não é uma opção.
O compromisso de acelerar uma transição energética justa, ordenada e equitativa, selado na COP28 Dubai, levou 28 Conferências das Partes para ser formalizado. No entanto, a ciência e a tecnologia já nos deram a chave para desmantelar o motor do aquecimento global sem a necessidade de paralisar a economia mundial. A evolução para um modelo centrado em energias limpas é segura, viável e inevitável.
O Crescimento Silencioso das Soluções
Apesar da magnitude do desafio dos combustíveis fósseis, a transformação já está em curso. O uso global de fontes renováveis triplicou na última década, e a primeira metade de 2025 registrou um marco histórico: a energia renovável ultrapassou o carvão, tornando-se a maior fonte individual de geração de eletricidade no mundo. Essa ascensão é reforçada pela lógica econômica: em muitas regiões, a energia solar e eólica já são mais acessíveis que as fontes fósseis, um fato amplificado pela vertiginosa queda de 90% no preço das baterias.
Neste cenário, o Brasil se posiciona não apenas como observador, mas como um líder de longa data. Desde a década de 1970, o país investe em larga escala em alternativas renováveis, consolidando uma matriz elétrica que hoje é composta por 90% de fontes limpas. Essa liderança se manifesta também na vanguarda dos biocombustíveis, sendo o segundo maior produtor global e um pioneiro no desenvolvimento de motores flexíveis. O etanol, com uma fatia de 30% na gasolina nacional, e o biodiesel, com 15% no diesel, são soluções imediatamente disponíveis para a descarbonização de setores críticos como a indústria e os transportes.
É lamentável que essa liderança tecnológica encontre barreiras regulatórias globais. A resistência da Organização Marítima Internacional (IMO) em adotar biocombustíveis, como o etanol, representa um freio injustificável no processo de descarbonização do transporte marítimo e ilustra a persistência de interesses entrincheirados.
A Contradição Financeira e a Sombra do Conflito
Apesar dos avanços setoriais, 2024 registrou um novo e deprimente recorde de emissões de carbono no setor energético, o maior desde 1957. Esta trajetória de fracasso é mantida por uma contradição flagrante: enquanto a comunidade internacional se compromete com a sustentabilidade, os fluxos financeiros caminham no sentido oposto.
Em 2023, os 65 maiores bancos do mundo canalizaram 869 bilhões de dólares para o setor de petróleo e gás, uma montanha de incentivos que sabota a transição. Desde a adoção do fundamental Acordo de Paris, a participação dos combustíveis fósseis na matriz energética global reduziu-se em meros três pontos percentuais, caindo de 83% para 80%. Este é um ritmo de mudança inaceitável.
A fragilidade geopolítica também se manifesta como um obstáculo climático. O conflito na Ucrânia, por exemplo, não apenas reverteu anos de esforços na redução de emissões, mas levou à reabertura de minas de carvão na Europa, evidenciando o quão facilmente a segurança energética, quando não baseada em fontes limpas, pode ser sacrificada em tempos de crise. É uma ironia macabra que o mundo gaste em armas o dobro do que destina à ação climática, pavimentando, assim, o caminho para o apocalipse. Não haverá segurança energética ou paz em um mundo conflagrado.

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Justiça Climática e a Cadeia de Valor
A transição energética não pode ser apenas um debate técnico; ela é um novo paradigma para o desenvolvimento, com potencial de promover transformações estruturais. Em 2023, o setor renovável foi responsável por 10% do aumento do PIB Global e gerou 35 milhões de empregos.
Crucialmente, a transição depende de minerais críticos — essenciais para baterias, painéis solares e sistemas de energia. Para que esse modelo seja justo, os países do Sul Global não podem ser reduzidos a meros extratores de matéria-prima. É imperativo que eles participem de todas as etapas da cadeia global de valor, gerando emprego qualificado e renda e, assim, gozando de segurança energética em sua totalidade.
A urgência da transição também está intrinsecamente ligada ao combate à pobreza energética. Dois bilhões de pessoas ainda não têm acesso a combustíveis adequados para cozinhar, e 660 milhões dependem de geradores a diesel ou lamparinas para obter luz. Cerca de 200 milhões de crianças frequentam escolas sem acesso à eletricidade. Sem energia, não há conexão digital, hospitais funcionando ou agricultura moderna.
O equacionamento desta injustiça passa, fundamentalmente, pela revisão do sistema financeiro global. Enquanto a injustiça de dívidas externas impagáveis persistir e condicionalidades discriminatórias impedirem o desenvolvimento, o progresso real andará em círculos. Uma proposta central é explorar mecanismos inovadores de troca de dívida por financiamento de iniciativas de mitigação e transição energética. Uma alternativa válida para os países em desenvolvimento é direcionar parte dos lucros da exploração de petróleo para a criação de Fundos de Transição, como o que será estabelecido pelo Brasil, visando financiar o enfrentamento da mudança do clima e promover a justiça climática.
O Mapa do Caminho de Belém
O mundo precisa de um mapa claro para encerrar a dependência dos combustíveis fósseis. A COP30 se apresenta como o momento de selar um roteiro de ações concretas, que requerem compromissos centrais:
- Implementar o acordo de Dubai: Triplicar a capacidade de energia renovável e dobrar a eficiência energética até 2030.
- Combate à Pobreza Energética: Colocar a eliminação da pobreza energética no centro dos Planos Climáticos Nacionais (NDCs), incluindo metas específicas para cocção limpa e acesso universal à eletricidade.
- Compromisso de Belém: Aderir ao Compromisso de Belém para quadruplicar o uso de combustíveis sustentáveis até 2035, acelerando a descarbonização dos setores mais resistentes.
Os cientistas já cumpriram seu papel ao fornecer os dados e as soluções. O fardo da decisão recai agora sobre os líderes. O século XXI será lembrado como o século da catástrofe climática ou como o momento da reconstrução inteligente. A decisão é nossa, e o tempo urge.



































