Um novo abrigo para a fauna em um território de fronteira
A inauguração do Centro de Triagem de Animais Silvestres de Santa Maria marca um avanço estratégico na proteção da fauna no Rio Grande do Sul e em toda a região Sul do país. O novo Cetas, resultado da parceria entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), nasce em um território onde biodiversidade, pressão humana e circulação transfronteiriça se encontram de forma intensa.

Santa Maria ocupa uma posição geográfica singular: está no centro do estado, próxima às fronteiras com Uruguai e Argentina, conectada por rodovias estratégicas e dotada de aeroporto. Essa localização faz do município um ponto sensível tanto para o resgate de animais vítimas de crimes ambientais quanto para o combate ao tráfico de fauna silvestre, prática ilegal que segue como uma das principais ameaças à biodiversidade brasileira.
A abertura do Cetas ocorre em uma semana simbólica, marcada pelo Dia Nacional do Bioma Pampa, celebrado em 17 de dezembro. O gesto reforça a dimensão política e ambiental da iniciativa, ao reconhecer a urgência de proteger um bioma historicamente menos visível nas agendas nacionais, mas profundamente afetado pela expansão agropecuária, pela fragmentação de habitats e pela captura ilegal de animais.
O papel dos Cetas na engrenagem da conservação
Os Centros de Triagem de Animais Silvestres cumprem uma função essencial na política ambiental brasileira. São eles que recebem animais apreendidos em ações de fiscalização, resgatados em situações de risco ou entregues voluntariamente pela população. Ao chegar ao Cetas, cada animal passa por um processo rigoroso de identificação, avaliação clínica, tratamento, recuperação e reabilitação, sempre com o objetivo de devolução à natureza quando as condições permitem.
Entre 2020 e 2025, os Cetas do Ibama em todo o país acolheram mais de 370 mil animais silvestres. Desses, cerca de 61% conseguiram retornar ao habitat natural, um índice que evidencia a relevância dessas estruturas para a conservação da fauna e para a mitigação dos impactos causados pela ação humana.
O novo Cetas de Santa Maria passa a integrar essa rede nacional como a 25ª unidade do Ibama, ampliando a capacidade de resposta do órgão no Sul do Brasil. Até então, a distância entre pontos de resgate e centros de triagem dificultava o atendimento rápido, aumentando o estresse dos animais e reduzindo as chances de reabilitação. Com a nova unidade, o tempo de deslocamento diminui e a eficiência do cuidado aumenta.
Além do aspecto operacional, o Cetas também funciona como espaço de produção de conhecimento, coleta de dados e monitoramento das pressões sobre a fauna regional. Cada animal recebido carrega informações valiosas sobre rotas do tráfico, áreas críticas de captura e impactos ambientais em curso.

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Universidade, ciência e política ambiental caminham juntas
A parceria com a UFSM amplia o alcance do centro para além da triagem e do tratamento. Ao integrar uma universidade federal, o Cetas se conecta diretamente ao ensino, à pesquisa e à extensão, fortalecendo a formação de profissionais e a produção científica voltada à conservação da biodiversidade.
Professores, pesquisadores e estudantes passam a ter um espaço concreto de aprendizado, onde teoria e prática se encontram. A vivência com o manejo da fauna silvestre, o acompanhamento clínico dos animais e a análise dos contextos socioambientais que levam aos resgates contribuem para formar profissionais mais preparados para enfrentar os desafios ambientais contemporâneos.
Durante a cerimônia de inauguração, que contou com a presença do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, da superintendente do Ibama no Rio Grande do Sul, Diara Sartori, e do reitor da UFSM, Luciano Schuch, ficou evidente o esforço de alinhar fiscalização ambiental, conhecimento científico e engajamento institucional.
Essa integração também fortalece a dimensão educativa do Cetas, que pode atuar como polo de sensibilização da sociedade sobre os impactos do tráfico de animais silvestres, da posse ilegal e da degradação dos habitats. Ao aproximar a população da realidade da fauna resgatada, o centro contribui para uma mudança cultural necessária à conservação de longo prazo.
Bioma Pampa, tráfico de fauna e responsabilidade coletiva
A instalação do Cetas em Santa Maria ganha ainda mais relevância quando observada à luz do bioma Pampa. Diferentemente da Amazônia ou da Mata Atlântica, o Pampa brasileiro costuma ser percebido como um território de menor diversidade, visão que ignora a riqueza de espécies adaptadas a campos naturais e ecossistemas abertos.
A captura ilegal de aves, répteis e mamíferos, muitas vezes destinados ao comércio internacional, é uma ameaça constante. A proximidade com fronteiras internacionais torna o Rio Grande do Sul uma rota sensível para o tráfico de fauna, exigindo estruturas ágeis e bem posicionadas para interceptar e cuidar dos animais resgatados.
O novo Cetas fortalece essa linha de defesa, ampliando a presença do Estado em uma região estratégica e sinalizando que a proteção da biodiversidade não se limita aos grandes biomas mais conhecidos. Trata-se de reconhecer que cada território tem seu valor ecológico e que a conservação exige ações descentralizadas, articuladas e contínuas.
Ao unir o Ibama, a UFSM e a sociedade civil em torno da proteção da fauna, o Cetas de Santa Maria se consolida como um símbolo de responsabilidade compartilhada. Mais do que um espaço físico, ele representa um compromisso com a vida silvestre, com a ciência e com a construção de um futuro em que desenvolvimento e conservação caminhem lado a lado.


















































