Conflitos que se espalham pelo território brasileiro
O Relatório de Conflitos da Mineração 2024, divulgado pela Universidade Federal Fluminense – UFF, revela um retrato inquietante do avanço territorial e social dos impactos da atividade mineral no Brasil. Com base em dados consolidados ao longo de 2024, o levantamento identificou 975 ocorrências de conflitos relacionadas à mineração e ao acesso à água, distribuídas por 736 localidades em praticamente todo o país — o Distrito Federal foi a única exceção.

Esses conflitos atingiram diretamente mais de um milhão de pessoas, uma média de 2,4 registros por dia ao longo do ano. Embora o número absoluto de atingidos seja quase metade do registrado no relatório anterior, o dado que mais chama atenção é a expansão geográfica das tensões: 329 localidades apareceram pela primeira vez no mapa dos conflitos. Trata-se de um espalhamento silencioso, que desloca a mineração do eixo tradicional e leva disputas para novos territórios, muitas vezes onde a população ainda não dispõe de instrumentos políticos ou institucionais para reagir.
Segundo o geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da UFF e coordenador do estudo, essa ampliação espacial também reflete a dificuldade histórica de registrar todos os conflitos existentes. Muitos só ganham visibilidade quando atingem grandes centros urbanos, provocam desastres de grande escala ou envolvem empresas de projeção internacional.
Estados mais afetados e o peso histórico de Minas Gerais
Entre os 26 estados com registros de conflito, Minas Gerais concentra mais de um terço das ocorrências, respondendo por 35,2% do total e por impressionantes 77% das pessoas atingidas. Na sequência aparecem Pará (17,8%), Bahia e Alagoas (6,9% cada). Esses números evidenciam como o modelo mineral brasileiro permanece fortemente ancorado em territórios historicamente explorados, onde a mineração se impôs como eixo estruturante da economia local.
Casos como Brumadinho e a Bacia do Rio Paraopeba seguem funcionando como símbolos de uma ferida aberta. A tragédia de 2019 não apenas ceifou vidas, como inaugurou um longo ciclo de disputas judiciais, sociais e ambientais que se prolongam até hoje. No Pará, a expansão da fronteira mineral, associada a grandes projetos logísticos, portos e ferrovias, amplia conflitos com comunidades tradicionais, povos indígenas e trabalhadores rurais.
A pesquisa mostra que a mineração não opera de forma isolada: ela reorganiza territórios, redefine usos da terra, pressiona recursos hídricos e altera profundamente as relações sociais locais.

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Violência, reações sociais e resistência comunitária
Ao longo de 2024, o relatório mapeou 168 reações diretas às violações associadas à mineração. Minas Gerais lidera novamente, com 73 registros, seguido por Pará e Alagoas. Capitais como Maceió e Belo Horizonte despontam como centros de mobilização, mas boa parte das reações ocorre em áreas rurais, onde sindicatos, associações comunitárias e movimentos sociais assumem o protagonismo da resistência.
O levantamento revela um cenário marcado por violência estrutural e episódios extremos: 32 mortes de trabalhadores, 19 ameaças de morte, além de invasões de terra, intimidações, expulsões forçadas, assédio e casos de violência armada. Esses números expõem o custo humano de um modelo que frequentemente prioriza a extração rápida de recursos em detrimento da segurança e dos direitos das populações locais.
Para Luiz Jardim, os dados desmontam o discurso corporativo de responsabilidade socioambiental. As regiões com maior número de conflitos são justamente aquelas onde grandes mineradoras mantêm presença contínua e histórica, com forte capilaridade territorial.
Empresas, discursos institucionais e contradições expostas
Entre as empresas mais citadas no relatório estão a Vale S.A., a Samarco — controlada pela Vale e pela BHP —, a Braskem, a Hydro, a Belo Sun Mining, a Companhia Baiana de Pesquisa Mineral – CBPM, a Anglo American, a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN, a Mineração Vale Verde e a Sigma Lithium.
A Vale afirma ter executado mais de 81% dos R$ 37,7 bilhões previstos no Acordo de Reparação Integral de Brumadinho, além de manter canais permanentes de diálogo com comunidades. A Samarco, por sua vez, destaca investimentos superiores a R$ 70 bilhões desde o desastre do Rio Doce e a adoção do Padrão Global da Indústria sobre Gestão de Rejeitos.
Já a CSN questiona a metodologia do relatório e afirma que atua em estrita conformidade com a legislação ambiental e trabalhista. Ainda assim, para os pesquisadores, a recorrência dessas empresas nos registros de conflito revela uma contradição central: quanto maior a escala e a presença territorial, maior a produção de impactos e disputas.
O relatório da UFF não se limita a contabilizar números. Ele expõe um modelo de desenvolvimento que naturaliza conflitos, transforma territórios em zonas de sacrifício e posterga, ano após ano, a construção de soluções estruturais para uma mineração socialmente justa e ambientalmente segura.
















































