Brasil desperdiça 6 mil piscinas de água tratada por dia

Desktop 780x90 1

Um país que deixa a água escapar pelo ralo

Todos os dias, antes mesmo de chegar às torneiras, o Brasil perde um volume de água tratada capaz de encher mais de seis mil piscinas olímpicas. Não se trata de uma metáfora exagerada, mas de um retrato preciso do desperdício estrutural que marca o sistema de abastecimento do país. Segundo o Estudo de Perdas de Água 2025, divulgado pelo Instituto Trata Brasil em parceria com a consultoria GO Associados , 40,31% de toda a água produzida é desperdiçada ao longo do caminho entre a captação e o consumo final.

Foto: Claudia Regina

Em números absolutos, isso representa 5,8 bilhões de metros cúbicos de água tratada perdidos em apenas um ano. É água suficiente para abastecer cerca de 50 milhões de pessoas — mais do que toda a população das regiões Norte e Centro-Oeste somadas. Em um país onde cerca de 34 milhões de habitantes ainda não têm acesso regular à água potável, o dado expõe uma contradição profunda: não falta água produzida, falta eficiência em distribuí-la.

Onde a perda é maior, a vulnerabilidade também é

O levantamento, baseado em dados do Sistema Nacional de Informações em Saneamento (SINISA), referentes a 2023, revela um país desigual também no desperdício. As regiões Norte e Nordeste lideram os piores índices, com perdas médias de 49,78% e 46,25%, respectivamente. Em estados como Alagoas, Roraima e Acre, mais da metade da água tratada simplesmente não chega ao consumidor final.

No outro extremo, Goiás, Distrito Federal e São Paulo apresentam os melhores indicadores, ainda assim longe do ideal. Mesmo São Paulo, o estado mais rico do país, perde cerca de um terço da água que produz. A meta nacional, estabelecida pela Portaria nº 490/2021 do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, é reduzir as perdas para 25%. Hoje, o Brasil está muito acima desse patamar.

Essa desigualdade reflete mais do que diferenças técnicas: revela disparidades históricas de investimento, capacidade institucional e planejamento. Onde há menos recursos, a infraestrutura é mais antiga, os sistemas de medição são falhos e os vazamentos se acumulam sem resposta rápida. Reduzir perdas, nesse contexto, não é apenas uma questão de eficiência operacional, mas de justiça social e territorial.

mca_agua_1609201061-400x239 Brasil desperdiça 6 mil piscinas de água tratada por dia
Foto: Marcello Casal jr/Agência Brasil

VEJA TAMBÉM:Queimadas em pastagens ficam fora da conta climática do Brasil

Vazamentos invisíveis e custos que transbordam

As chamadas perdas de água incluem vazamentos nas redes de distribuição, erros de medição, ligações clandestinas e consumos não autorizados. Desse total, as perdas físicas — especialmente vazamentos — são as mais significativas. Sozinhas, ultrapassam 3 bilhões de metros cúbicos por ano, um volume que poderia abastecer as 17,2 milhões de pessoas que vivem em comunidades vulneráveis por quase dois anos.

O desperdício não se limita à água em si. Cada metro cúbico perdido carrega consigo custos adicionais: energia elétrica usada no bombeamento, produtos químicos empregados no tratamento, desgaste da infraestrutura e necessidade de captar ainda mais água em mananciais já pressionados. O impacto ambiental é direto e cumulativo, ampliando a retirada de água de rios e reservatórios em um cenário de mudanças climáticas que já impõe secas mais longas, calor extremo e alterações no regime de chuvas.

Como lembra o estudo, captar além da demanda real reduz a disponibilidade hídrica e eleva os custos de mitigação. Em vez de investir apenas em novas fontes de água, o país poderia obter ganhos expressivos simplesmente cuidando melhor daquilo que já produz.

Reduzir perdas é adaptação climática e decisão econômica

Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o ritmo de avanço na redução das perdas ainda é insuficiente diante da urgência do problema. Ela destaca que o desperdício diário de mais de 6,3 mil piscinas de água potável simboliza uma ineficiência que o país não pode mais se dar ao luxo de manter. Em um contexto de eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes, investir na modernização das redes e na gestão eficiente da água tornou-se uma necessidade estratégica.

O estudo aponta que, se o Brasil conseguisse reduzir o índice de perdas para os 25% previstos pela regulação, economizaria cerca de 1,9 bilhão de metros cúbicos de água por ano. Esse volume equivale ao consumo anual de 31 milhões de pessoas. Do ponto de vista econômico, a economia acumulada poderia chegar a R$ 17 bilhões até 2033, recursos capazes de fortalecer a resiliência dos municípios e ampliar o acesso à água tratada.

Não por acaso, os autores do levantamento associam a redução de perdas a uma estratégia central de adaptação climática, tema que ganha protagonismo no debate internacional e nacional, especialmente no contexto da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). Em um país onde a água escorre pelos canos antes de chegar às casas, enfrentar o desperdício é, ao mesmo tempo, uma resposta à crise climática e um compromisso com a dignidade humana.