Pesquisadoras da Uerj entram para o seleto grupo do IPCC da ONU

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Cientistas brasileiras no centro das decisões climáticas globais

A ciência do clima é, hoje, um dos principais campos de disputa do século XXI. Entre projeções alarmantes, negociações diplomáticas complexas e decisões que afetam bilhões de pessoas, o conhecimento científico tornou-se um ativo estratégico. É nesse cenário que duas pesquisadoras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Uerj passam a ocupar um espaço de destaque internacional ao integrarem o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC, órgão científico da Organização das Nações Unidas – ONU responsável por avaliar, sintetizar e comunicar o estado do conhecimento sobre a crise climática.

Reprodução

As professoras Letícia Cotrim e Luciana Prado, ambas da Faculdade de Oceanografia da Uerj, foram selecionadas para atuar como autoras no 7º Ciclo de Avaliação do IPCC, que será concluído em 2028. A escolha as coloca em um grupo altamente restrito: apenas 664 especialistas, de 111 países, participam desta etapa do trabalho. Entre eles, somente 18 são brasileiros — e a Uerj é a única instituição nacional representada por duas mulheres nesse ciclo.

Mais do que um reconhecimento individual, a presença das pesquisadoras sinaliza o fortalecimento da ciência brasileira em fóruns globais e reforça a importância da diversidade de gênero na produção de diagnósticos que orientam políticas públicas, acordos internacionais e estratégias de adaptação e mitigação climática.

O IPCC e o papel estratégico da ciência no debate climático

Criado em 1988, o IPCC não produz pesquisas originais, mas realiza uma tarefa ainda mais complexa: analisar, integrar e avaliar milhares de estudos científicos publicados em todo o mundo. Seus relatórios são a principal referência global sobre mudanças climáticas e servem de base para decisões no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima – UNFCCC, da qual o Brasil é signatário.

Cada ciclo de avaliação representa um retrato detalhado do conhecimento acumulado sobre o sistema climático, seus impactos socioambientais e as possibilidades de resposta. O 7º Ciclo dá continuidade a esse esforço em um momento particularmente sensível, marcado por recordes sucessivos de temperatura, eventos extremos mais frequentes e alertas reiterados da comunidade científica sobre a urgência de ação.

Os relatórios do IPCC não impõem obrigações legais aos países, mas exercem enorme influência política. Governos, organismos multilaterais, empresas e movimentos sociais utilizam suas conclusões como base técnica para negociações climáticas, planos nacionais e compromissos de redução de emissões.

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Foto: Melissa Walsh/ Secretariado IPCC

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O Grupo de Trabalho 1 e a leitura física do planeta em transformação

Letícia Cotrim e Luciana Prado integram o Grupo de Trabalho 1 (GT1) do IPCC, responsável por analisar as bases físicas das mudanças climáticas. É nesse grupo que se constrói o diagnóstico mais fundamental: como o clima está mudando, por que está mudando e quais processos físicos explicam essas transformações.

Letícia Cotrim, professora do Departamento de Oceanografia Química da Uerj, já possui experiência no painel, tendo atuado como autora-líder no 6º Ciclo de Avaliação. No novo relatório, ela assume a função de autora-coordenadora de um dos capítulos mais complexos: o que trata dos avanços no entendimento dos processos do sistema terrestre.

Esse capítulo aborda as interações entre oceanos, ecossistemas terrestres e costeiros, atmosfera e criosfera — regiões cobertas por gelo, como polos e áreas de alta montanha. A análise desses sistemas integrados é crucial para compreender como o aquecimento global altera ciclos biogeoquímicos, padrões climáticos e a capacidade do planeta de absorver carbono.

Já Luciana Prado, professora do Departamento de Oceanografia Física e Meteorologia, foi selecionada como autora-líder do capítulo dedicado às mudanças climáticas observadas nas últimas décadas. Seu foco está na paleoclimatologia, área que investiga climas do passado a partir de registros naturais, como sedimentos marinhos e núcleos de gelo.

Ao olhar para períodos antigos da história da Terra, os cientistas conseguem identificar padrões, limites e respostas do sistema climático a diferentes níveis de concentração de gases de efeito estufa. Esse conhecimento é essencial para aprimorar modelos e reduzir incertezas nas projeções futuras.

Ciência brasileira, protagonismo feminino e desafios futuros

A participação das pesquisadoras da Uerj ocorre em um contexto de crescente alerta global. Estudos recentes da Organização Meteorológica Mundial – OMM indicam alta probabilidade de que a média anual de aquecimento ultrapasse temporariamente o limite de 1,5 °C em pelo menos um dos próximos anos, reforçando a urgência de decisões baseadas em evidências robustas.

Nesse cenário, o trabalho do IPCC ganha ainda mais relevância. O processo de elaboração dos relatórios envolve múltiplas rodadas de revisão por pares, contribuições de governos e intenso escrutínio público, garantindo credibilidade científica e transparência.

Para o Brasil, a presença de cientistas em posições estratégicas no painel é fundamental. O país reúne grande diversidade ambiental, extensa costa oceânica e regiões altamente vulneráveis às mudanças climáticas. Ter especialistas nacionais participando da formulação dos diagnósticos globais amplia a capacidade de diálogo entre ciência, política e sociedade.

Mais do que números e gráficos, o 7º Ciclo de Avaliação do IPCC será um mapa para decisões que moldarão as próximas décadas. E, nesse mapa, o conhecimento produzido por cientistas brasileiras ocupa um lugar cada vez mais central.