A empresa sucroalcooleira São Martinho S/A começou a implantar em 2018 uma rede privativa de internet para conectar sensores a colheitadeiras e caminhões, de modo a monitorar o desempenho das máquinas e até mesmo prever a ação de pragas nas lavouras de cana-de-açúcar. Em 2020, suas quatro unidades estavam conectadas e os executivos já anunciavam ganhos de eficiência operacional de 13% em relação ao período sem conectividade.
Conectar processos dessa forma e obter ganhos em competitividade e sustentabilidade, porém, não é uma realidade para cerca de 88% dos produtores rurais brasileiros. Esses agropecuaristas de pequeno e médio porte compõem a maior parte do setor no Brasil e, normalmente, não possuem recursos para infraestruturas dessa monta. Por isso, políticas públicas são necessárias para levar a conectividade ao campo e manter o Brasil como protagonista da produção de alimentos no mundo.
“O próximo passo da agropecuária brasileira para se manter protagonista é a democratização do acesso à tecnologia. Temos muitas opções, mas são poucos que podem acessá-la no campo”, resumiu a diretora-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Silvia Massruhá, durante evento do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação realizado em 21 de agosto.
O seminário foi promovido pelo Instituto do Legislativo Paulista (ILP) e pela FAPESP na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), com transmissão pelo YouTube. O tema foi a inclusão digital no campo.
“Do ponto de vista do produtor rural, [a conectividade] é uma condição inexorável de aumento da renda, pois lhe permite vender melhor e comprar melhor, acionando serviços técnicos via web. Portanto, soluções de aumento de conectividade na área rural são absolutamente fundamentais”, destacou Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP durante a abertura do evento.
Diretor do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), organização privada que desenvolve inovações em tecnologia da informação e comunicação, Alberto Paradisi lembrou o desafio do projeto na São Martinho, idealizado por volta de 2015 em parceria com o centro.
Naquela época, contou, apesar de haver aplicações de conectividade nos equipamentos usados na empresa, não havia tecnologia para conectá-los. O trabalho bem-sucedido na São Martinho mostrou ao CPQD o potencial do mercado agro para a conectividade.
A partir de então, o centro passou a se engajar com o tema, principalmente por meio de apoio a startups, desenvolvendo algoritmos de inteligência artificial, tecnologias de rastreabilidade, software e hardware, entre outros.
“O desafio da inclusão digital no campo para pequenos e médios produtores certamente é bem mais que um, são vários: da [disponibilidade de] internet, da capacitação, das aplicações, do modelo econômico”, afirmou.
Foi com vistas a esses desafios que o CPQD se uniu à Embrapa Agricultura Digital, à FAPESP e a mais uma série de parceiros e inauguraram, em 2022, o Centro de Ciência para o Desenvolvimento em Agricultura Digital (CCD-AD/SemeAr), com sede em Campinas (leia mais em: agencia.fapesp.br/41128).
“A ideia é vencer esses desafios de forma integrada, combinando as tecnologias com o lado humano da capacitação, do engajamento, da proximidade”, disse.
Aplicações no campo
Trabalhando diretamente com agricultores e apicultores, a pesquisadora e empreendedora Andresa Berretta sentiu na pele a falta de conectividade no campo.
Uma das fundadoras da AgroBee, empresa apoiada pelo PIPE-FAPESP, Berretta contou que sua equipe precisou gastar muito mais tempo e recursos para desenvolver a versão off-line da sua aplicação, já que nem sempre havia sinal de internet onde estavam os parceiros.
A ideia da plataforma é que produtores rurais aluguem colmeias de apicultores, trazendo benefício tanto em produtividade para agricultores quanto matéria-prima para as abelhas fazerem o mel e uma outra fonte de renda para os apicultores (leia mais em: pesquisaparainovacao.fapesp.br/1852/).
“Muitas tecnologias requerem conectividade. Quanto mais forem agilizadas as políticas públicas nesse sentido, melhor. Há muitas ferramentas que gostaríamos de agregar ao nosso aplicativo que, hoje, são inviáveis. Temos mão de obra qualificada e recursos humanos para resolver, mas precisamos de políticas públicas”, defendeu Berretta.
A pesquisadora mencionou a Política Nacional de Incentivo à Agricultura e Pecuária de Precisão, sancionada em dezembro de 2022. A lei tem como objetivo ampliar a eficiência na aplicação de recursos e insumos de produção, diminuindo o desperdício e reduzindo custos de produção. Com isso, busca aumentar a produtividade e a lucratividade, bem como garantir a sustentabilidade ambiental, social e econômica.
“Outros países vêm há muito tempo coletando dados na produção agropecuária e pensando em formas de usá-los. No Brasil tivemos vários projetos, mas não havia uma estratégia. A política de agricultura de precisão para o país chegou depois de muitos anos e é um diferencial para que se possa fomentar a tecnologia dentro da agropecuária brasileira, pensando nos produtores grandes, pequenos e médios”, analisou Massruhá.
O evento na íntegra pode ser assistido em: https://youtu.be/lxy5j7Dz368.