A Evolução Domou Um Vírus Mortal: Alerta Para Futuros Surtos Persiste

A Encefalite Equina Ocidental, uma doença letal, exemplifica a capacidade do patógeno pular de animais para humanos

Autor: Redação Revista Amazônia

A história da ascensão e queda da encefalite equina ocidental como uma doença letal traz lições essenciais sobre como um patógeno pode ganhar ou perder a capacidade de pular de animais para humanos. Esta narrativa é capturada em uma nova pesquisa da Harvard Medical School, que identifica os mecanismos usados pelo vírus da encefalite equina ocidental para infectar humanos e correlaciona mudanças nessa habilidade ao longo do tempo com a diminuição de doenças e mortes causadas pelo patógeno.

Os resultados do estudo, publicados em 24 de julho na revista Nature, oferecem lições importantes para especialistas em saúde pública que buscam se preparar para futuros surtos, disseram os pesquisadores.

Surpresas no Caminho da Pesquisa

O trabalho tomou muitos rumos inesperados, desafiando suposições básicas que cientistas têm usado para entender como os vírus interagem com células humanas e o que causa a variação nos surtos. Uma dessas suposições era a de que um vírus alvo apenas um receptor específico no hospedeiro para entrar e infectar as células.

“Foi uma verdadeira história de detetive científica”, disse Jonathan Abraham, professor associado de microbiologia no Instituto Blavatnik da Harvard Medical School e autor principal do estudo. “O vírus nos surpreendeu várias vezes e nos ensinou lições importantes sobre como estudá-lo.”

Mecanismos de Infecção e Evolução do Vírus

Os pesquisadores identificaram proteínas específicas expressas em células hospedeiras que diferentes cepas do vírus usaram para infectar uma variedade de animais, incluindo cavalos, humanos e aves ao longo do último século. Suas descobertas ligaram as diferenças na capacidade do vírus de adoecer humanos e cavalos a mudanças no genoma viral, que deixaram o vírus incapaz de direcionar proteínas encontradas em humanos e cavalos, enquanto mantiveram a capacidade de infectar aves e répteis, que servem como reservatórios do vírus.

A diversidade e variabilidade na capacidade do vírus de infectar células hospedeiras destacam a importância de estudar vírus amplamente ao longo do tempo, espaço e espécies hospedeiras para rastrear possíveis surtos e monitorar vírus emergentes e reemergentes.

O Vírus em Questão

O protagonista da história é o vírus da encefalite equina ocidental (WEEV), membro da família dos alfavírus. Para entender como um vírus interage com um hospedeiro, é crucial identificar o caminho preciso que ele toma para entrar nas células e causar infecção.

WEEV e outros na família dos alfavírus tipicamente anexam uma proteína de espícula a uma proteína compatível, o receptor, na superfície de uma célula hospedeira. Uma vez dentro da célula, o vírus sequestra o maquinário celular para permitir sua própria replicação, disseminação e sobrevivência.

Os pesquisadores criaram réplicas inofensivas de várias cepas virais coletadas em diferentes tempos e locais e testaram sua capacidade de infectar células hospedeiras em laboratório. Eles também testaram algumas das cepas em camundongos.

Descobertas Inesperadas

Cepa antigas de WEEV, conhecidas por causar inflamação cerebral severa em cavalos e humanos, puderam usar várias proteínas receptoras diferentes para entrar nas células animais, o que foi uma descoberta inesperada, já que a crença predominante na virologia era de que vírus tipicamente atacam direcionando apenas um tipo de receptor celular.

As cepas circulantes durante os anos de surtos frequentes puderam usar múltiplos receptores expressos em células cerebrais de humanos e cavalos, incluindo proteínas conhecidas como PCDH10 e VLDLR. Embora o vírus ainda circule entre aves, mosquitos e outros animais, o último surto nos Estados Unidos em humanos foi em 1987, segundo o CDC. Desde então, apenas cinco casos foram identificados no país.

Por outro lado, cepas isoladas mais recentemente de mosquitos na Califórnia em 2005 não conseguiram reconhecer os receptores humanos, mas puderam interagir com proteínas semelhantes encontradas em aves.

Hipóteses e Mudanças Genéticas

Os pesquisadores hipotetizam que o vírus evoluiu, talvez devido à vacinação de cavalos ou mudanças no uso agrícola e de transporte, que reduziram a prevalência desses animais como amplificadores do vírus. Alternativamente, a evolução pode ter ocorrido por deriva antigênica, onde mutações aleatórias causam pequenas mudanças no genoma viral, alterando a forma como o vírus interage com seu hospedeiro.

Essas mudanças nos receptores hospedeiros alvo são provavelmente a razão central pela qual o vírus “submergiu” como um patógeno humano na América do Norte. Compreender a complexidade dinâmica dos receptores virais é uma ferramenta essencial para entender como este ou outros vírus semelhantes podem reemergir, afirmaram os cientistas.

Importância da Vigilância

Entender o comportamento dos vírus e como eles mudam ao longo do tempo é crucial para prever e se proteger contra novos surtos. Por exemplo, saber se versões perigosas do patógeno persistem em populações isoladas de insetos ou se o vírus ganhou a capacidade de infectar outros animais pode fornecer sinais de alerta precoce para ressurgências potenciais de doenças que se acreditava terem desaparecido.

Aplicações para a Preparação Pandêmica

As descobertas deste estudo sublinham a importância de explorar a diversidade viral em profundidade para estar preparado para possíveis surtos. Muitos vírus circulam em insetos e animais ao nosso redor e ocasionalmente causam doenças graves ou debilitantes.

Em um desenvolvimento inesperado, enquanto a equipe conduzia seus experimentos, um novo surto de WEEV ocorreu na América do Sul, onde a doença também havia mostrado declínios acentuados nos últimos anos. As populações virais na América do Sul e do Norte parecem ser geneticamente distintas, e a cepa sul-americana não permanece viável o suficiente para que aves migratórias a transfiram regularmente entre os continentes. No entanto, o novo surto enfatiza a importância da vigilância e da melhoria da compreensão científica desses vírus voláteis e mutáveis.

“A volta do WEEV pegou todos de surpresa,” disse Wanyu Li, primeiro autor e estudante de doutorado no programa de virologia na Harvard Kenneth C. Griffin Graduate School of Arts and Sciences. “Agora, com seus receptores celulares conhecidos, temos as ferramentas para entender os aspectos moleculares da reemergência do WEEV.”

Abraham e seus colaboradores agora estão investigando as cepas associadas ao recente surto na América do Sul. “Uma pequena mudança no genoma viral, na intensidade de uma estação chuvosa que permite a proliferação de mosquitos, ou no local onde humanos vivem ou trabalham, pode desencadear um surto”, disse Abraham. “Quanto mais soubermos, melhor poderemos nos proteger.”

Fonte: Newswise


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