Dez anos do Acordo de Paris: um freio no abismo, ainda longe da curva segura


O Acordo de Paris completa uma década carregando um paradoxo incômodo: ao mesmo tempo em que evitou o pior cenário climático imaginado pela ciência, não conseguiu colocar o mundo na trajetória necessária para impedir danos profundos e duradouros. Celebrado como o mais abrangente pacto climático já firmado, o tratado mostrou que a cooperação internacional é possível, mas também expôs a lentidão política diante de uma emergência que não espera consensos.

Foto: Yann Caradec

Adotado em 2015 durante a COP21 e em vigor desde 2016, o acordo reuniu praticamente todos os países do planeta em torno de um objetivo comum: conter o avanço da crise climática e limitar o aumento da temperatura média global a bem menos de 2°C, com esforços para mantê-lo em até 1,5°C. Dez anos depois, esse limite crítico continua tecnicamente possível — mas politicamente distante.

A avaliação da Organização das Nações Unidas (ONU) é direta: os compromissos atuais ainda são insuficientes. O planeta segue aquecendo em ritmo acelerado, e os impactos já não pertencem a projeções futuras. Eles se manifestam em ondas de calor extremas, secas prolongadas, enchentes devastadoras, perdas agrícolas e crises humanitárias que se multiplicam em diferentes continentes.

O que mudou desde 2015 — e o que continua travado

Quando o Acordo de Paris foi assinado, a ciência climática alertava que o mundo caminhava para um aquecimento superior a 4°C até o fim do século, um cenário considerado incompatível com a estabilidade ecológica, econômica e social. Hoje, graças às políticas adotadas desde então, essa projeção foi reduzida para cerca de 2,5°C. A diferença é enorme — e revela que o acordo funcionou como um freio de emergência.

Ainda assim, frear não é o mesmo que desviar. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) calcula que as emissões globais de gases de efeito estufa precisam cair cerca de 43% até 2030 para que a meta de 1,5°C permaneça ao alcance. O relógio corre contra um sistema internacional que avança mais lentamente do que a física do clima permite.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, resume esse dilema ao afirmar que a próxima década precisa ser de implementação real, e não apenas de promessas. Para ele, os últimos dez anos deixaram claro que a crise climática deixou de ser uma ameaça abstrata. Tornou-se uma sucessão de tragédias humanas, perdas ambientais e choques econômicos que se intensificam a cada novo recorde de temperatura.

image1170x530cropped-1-400x267 Dez anos do Acordo de Paris: um freio no abismo, ainda longe da curva segura
ONU/Divulgação

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COP30, esperança política e o peso da próxima década

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Belém, marcou simbolicamente esse aniversário do Acordo de Paris. O encontro reforçou um consenso básico: limitar o aquecimento global continua sendo uma prioridade inegociável. Mas o desafio está em transformar essa concordância em decisões estruturais, especialmente no campo do financiamento e da transição energética.

Para o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, o tratado foi decisivo para destravar negociações que estavam paralisadas. Ele destaca que, sem o Acordo de Paris, a ação climática provavelmente teria se fragmentado em iniciativas isoladas e pouco eficazes. Ainda assim, reconhece que o esforço coletivo precisa ganhar velocidade para evitar ultrapassar o limite de 1,5°C.

Guterres defende um “plano de aceleração” que conecte ambição climática, adaptação e financiamento. Essa equação é especialmente crítica para países em desenvolvimento, que enfrentam os impactos mais severos da crise apesar de terem contribuído menos para o problema. A promessa de apoio financeiro e transferência de tecnologia — um dos pilares do acordo — segue sendo um dos pontos mais sensíveis e menos cumpridos.

Entre o realismo e a urgência: o legado em disputa

Christiana Figueres, que liderava a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) quando o acordo foi firmado, adota um tom mais duro. Para ela, já está claro que o mundo não conseguirá “resolver” completamente a mudança climática. O que ainda está em aberto é a escala da destruição que será aceita como normal.

Essa visão não é derrotista, mas pragmática. A mensagem central é que acelerar a redução de emissões e a regeneração dos ecossistemas pode evitar os piores cenários e preservar condições mínimas de estabilidade para as próximas gerações. O Acordo de Paris, nesse sentido, não é uma solução fechada, mas uma plataforma viva, que exige revisões constantes, transparência e coragem política.

O mecanismo de ciclos quinquenais, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e o Quadro de Transparência Reforçado formam a espinha dorsal desse sistema. Desde 2024, todos os países são obrigados a reportar ações, avanços e apoios recebidos ou concedidos. Esses dados alimentam o balanço global, uma espécie de exame coletivo da humanidade diante do desafio climático.

Dez anos depois, o Acordo de Paris não é um ponto de chegada. É uma linha tênue entre o que foi possível construir e o que ainda pode ser perdido. O próximo passo definirá se o tratado será lembrado como um divisor de águas — ou apenas como uma advertência ignorada.