A pauta da sustentabilidade, cada vez mais premente em discussões globais, encontra na agricultura um de seus palcos mais desafiadores e promissores. No Brasil, gigante do agronegócio, a busca por soluções que conciliem produção e conservação ambiental é constante.

Uma pesquisa recente, conduzida sob o escopo dos projetos do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), acende uma luz de esperança, revelando um potencial inexplorado: a diversificação de culturas agrícolas pode, de fato, mais que dobrar a capacidade de fixação de carbono no solo. Este achado, fruto de dois anos de investigações meticulosas, aponta não apenas para um caminho de maior captura de dióxido de carbono (CO2), mas também para benefícios duradouros que podem redefinir a própria base da produção agrícola.

A sinergia entre ciência e sustentabilidade
O RCGI, um respeitado Centro de Pesquisa em Engenharia (CPE) com o respaldo da FAPESP e da Shell, e a participação de outras empresas, é um farol de inovação sediado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli USP). É nesse ambiente de vanguarda que se gestam as soluções para os desafios climáticos.
À frente do estudo sobre manejo do solo e captura de carbono está o professor Cimélio Bayer, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um pesquisador que há mais de duas décadas se dedica a desvendar os segredos da interação entre solo e atmosfera. Bayer e sua equipe são peças-chave no projeto “Melhorando o manejo da pastagem como Solução Baseada na Natureza para sequestro de carbono no solo no Brasil”.
Este projeto maior, coordenado pelos professores Carlos Eduardo Pellegrino Cerri e Maurício Roberto Cherubin, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq USP), tem uma missão clara: forjar soluções tropicais para mitigar as emissões de gases de efeito estufa na agricultura. A estratégia é multifacetada e inclui desde a restauração de vegetação nativa até o manejo otimizado de pastagens e a implementação de sistemas agrícolas integrados. A premissa é simples, porém poderosa: um solo saudável é um aliado poderoso na luta contra as mudanças climáticas.
Da monocultura à riqueza de espécies
O estudo desdobrou se em áreas experimentais que outrora serviram a monoculturas intensivas, como soja e algodão, no cerrado e nos pampas brasileiros. O que se observou, ao introduzir uma maior variedade de espécies vegetais, foi um salto exponencial na fixação de carbono. “Práticas que mantêm a produção o ano todo e reduzem o revolvimento são fundamentais”, explica o professor Bayer. O plantio direto, uma técnica que evita a aração e gradagem do solo, já era reconhecido por sua eficácia, mas em sistemas de monocultura, sua capacidade de sequestro se mostrava limitada.
No entanto, a combinação do plantio direto com a diversificação de espécies revelou se um catalisador extraordinário. A capacidade de sequestro de carbono não só dobrou, mas superou os 0,6 tonelada por hectare por ano. Este é um dado que ressoa como um grito de esperança para a agricultura sustentável.
A prática de manter o solo coberto e produtivo durante todo o ano, aliada à redução do revolvimento, diminui significativamente a erosão e a perda de nutrientes, criando um ambiente mais propício para a vida microbiana e para o acúmulo de matéria orgânica. É um ciclo virtuoso: quanto mais diversificada a vida vegetal, mais robusto o sistema, e maior a capacidade do solo de atuar como um sumidouro de carbono.
O horizonte de um acúmulo duradouro
Um dos pontos mais intrigantes e animadores da pesquisa reside na análise de longo prazo da fixação de carbono. A crença predominante era que o acúmulo de CO2 no solo se limitaria a um período de cerca de 20 anos. Contudo, os dados coletados ao longo de várias décadas desmentem essa expectativa. A capacidade de sequestro se manteve robusta após 30 a 40 anos da adoção de sistemas conservacionistas de manejo. “Nossos resultados indicam que o solo pode continuar acumulando carbono em camadas mais profundas, o que traz implicações importantes para práticas agrícolas sustentáveis de longo prazo”, salienta o professor da UFRGS.

Essa descoberta é um divisor de águas. Significa que o investimento em práticas agrícolas que promovem a saúde do solo não é apenas uma solução paliativa, mas uma estratégia de mitigação climática com efeitos persistentes. A coleta de amostras de solo a até um metro de profundidade, em contraste com as usuais amostragens superficiais, foi crucial para essa compreensão mais profunda, permitindo uma análise mais acurada da fixação de carbono nas camadas inferiores, embasada em metodologias reconhecidas internacionalmente. A precisão metodológica garante a robustez dos resultados e a credibilidade científica da pesquisa.
As múltiplas faces do carbono no solo
A pesquisa não se encerra na constatação da capacidade de sequestro. Os cientistas estão agora avaliando os impactos desse acúmulo de carbono na própria produtividade agrícola. A pergunta que se busca responder é: como o aumento da matéria orgânica no solo, resultado da fixação de carbono, se traduz em melhorias concretas para as culturas? As investigações abrangem desde a retenção de água, um fator crítico em regiões sujeitas a estiagens, até a disponibilidade de nutrientes essenciais para o crescimento das plantas.
Paralelamente, e como parte integrante do projeto, outra linha de pesquisa se dedica a desvendar a contribuição específica das partes aéreas e das raízes das plantas na fixação de carbono. Para isso, utilizam isótopos que enriquecem as plantas, permitindo um estudo discriminado dessas estruturas. Essa abordagem granular é fundamental para otimizar as estratégias de manejo e maximizar o potencial de cada componente da planta na captura de carbono.
Em um cenário onde a segurança alimentar e a sustentabilidade ambiental andam de mãos dadas, os resultados desta pesquisa oferecem um roteiro promissor para a agricultura brasileira. A diversificação de culturas, longe de ser apenas uma técnica agronômica, emerge como uma peça fundamental no quebra cabeça climático, com o potencial de transformar a maneira como produzimos alimentos e cuidamos do nosso planeta. É uma vitória da ciência, da inovação e, acima de tudo, da esperança por um futuro mais verde.
Fonte: Agência FAPESP









































