Os portos do Amapá têm o potencial de servir como portais estratégicos para o Brasil, permitindo que o país se internacionalize através da Amazônia. Esta é a visão do governador Clécio Luís (Solidariedade), que vê o setor logístico como um dos principais motores para o desenvolvimento socioeconômico do estado.
A localização geográfica do Amapá, na foz do rio Amazonas, e suas condições naturais, como calados de até 30 metros, são alguns dos fatores que sustentam essa visão. A rede fluvial poderia ser usada para transportar produtos para o Centro-Oeste e, inversamente, para escoar a produção agropecuária da região central para o exterior.
Segundo o governador, a logística portuária é um dos cinco eixos com maior potencial para melhorar os indicadores socioeconômicos do Amapá. Os outros quatro são o agronegócio sustentável, a pesca e aquicultura, a mineração sustentável e o potencial florestal. A luta contra as desigualdades, através da criação de empregos e geração de renda, é uma das prioridades. De acordo com os dados mais recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2021, o Amapá ocupou a terceira pior posição no ranking de IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, com 0,688 em uma escala que varia de 0 a 1. Quanto mais alta a pontuação, melhores são as condições de vida da população.
Durante uma entrevista concedida no encontro do Startup20 em Macapá, o governador também discutiu a busca por recursos federais e investimentos privados, a intenção de transformar a capital e o município de Santana em “cidades-dormitório” para a COP30 no próximo ano, e a exploração de petróleo na Margem Equatorial.
Entrevista
Pergunta: O senhor já afirmou que o Amapá é um estado pobre e com os piores indicadores do país. Como as políticas de incentivo à bioeconomia podem mudar esse cenário?
Clécio Luís: Nós nascemos como um território federal, extraídos do Pará. Aqui se descobriu uma grande província mineral com vários minérios, mas, na época, o mundo estava especialmente interessado no manganês, por causa da indústria bélica. Então, nos tornamos um oásis no meio da Amazônia. Quando passamos de território para governo, que tem que andar com as próprias pernas, todo mundo sentiu, porque não havia atividade econômica. Era uma pequena faixa de comércio que dependia do pagamento do governo. Eu sei disso porque eu era filho de comerciante. Quando o pagamento do governo federal era liberado, havia 10 dias de movimento no comércio e depois parava. Até hoje enfrentamos um índice muito baixo de industrialização. Temos dificuldade em encontrar um rumo para a economia após o território, e isso fez com que nossos indicadores caíssem, com raras exceções.
Quando ativamos um tipo de negócio que pode agregar o que temos de potencial, mas que não se concretiza em favor do povo, eu imagino que seja uma saída. Hoje, 85% da nossa receita, de tudo que recebemos, é federal e é transferência. É contribuição voluntária do governo federal. Apenas 15% são de arrecadação própria. Vivemos sempre à beira de um colapso. Qualquer coisa que aconteça lá em cima, que abale, por exemplo, o nosso FPE (Fundo de Participação dos Estados), nós sofremos aqui na ponta.
Agora, temos uma chance. Podemos reproduzir o que já vem sendo feito fora daqui, podemos fazer um agro igual ao que fizeram no Mato Grosso ou em Rondônia, mas não é o que queremos. Temos a chance de, em meio a essa dificuldade econômica, começar a ter uma matriz ou matrizes econômicas dentro de um padrão ético e ambiental, que nos permitam gerar emprego, gerar renda e desenvolver a economia, mas preservando um dos nossos principais ativos, que é a floresta em pé.
Pergunta: Quais são os negócios mais promissores para que, de fato, o estado desenvolva uma nova matriz econômica e sustentável?
Clécio Luís: Nós elencamos alguns eixos que podem nos levar a ter índices melhores de desenvolvimento e, consequentemente, melhores índices sociais e econômicos.
Estamos no delta, na foz do rio Amazonas. Temos uma região de porto natural, com calados de 22 metros, de 30 metros naturais. Estamos muito mais próximos que qualquer outro porto do canal do Panamá, dos Estados Unidos, da Europa e do norte da África. Esse é um potencial que foi muito utilizado para exportação de minério. Hoje, nossos portos são subutilizados. Vemos que temos um grande potencial logístico: receber carga para internalizar no Brasil pelo rio Amazonas e alcançar o Centro-Oeste, e tirar a carga do Centro-Oeste para a Amazônia por essa região aqui também.
Temos um potencial florestal. É um tema sensível, porque, quando falamos de floresta e de recurso madeireiro, logo associamos ao desmatamento. Mas, hoje, existem muitas formas de tratar os recursos florestais madeireiros com responsabilidade, com manejo florestal. Além de ser uma atividade econômica poderosa, é um serviço ambiental.
Temos a possibilidade de ter um agro sustentável, uma marca. Se temos 73,5% de todo o nosso território protegido – não é preservado, porque preservado é maior –, com APA (Área de Preservação Ambiental), Rebio (Reserva Biológica), Resex (Reserva Extrativista), várias reservas, áreas indígenas… Não temos conflitos crônicos, não há um histórico de conflitos de produtor com indígena, de sojeiro com quilombola… Tem conflitos residuais, tem alguém que quer fazer grilagem, mas é residual. Então, se temos 73% (do território) bem definidos, esse restante pode ser utilizado com bastante segurança. Podemos ter uma produção em larga escala, com muita segurança ambiental e jurídica.
Eu colocaria outro potencial importante: a pesca e a piscicultura, porque temos área, temos uma insolação que todo mundo queria e temos água, mas não desenvolvemos isso aqui. Não conseguimos pescar, não temos embarcações. Mas lá na costa do Oiapoque (AP), é uma verdadeira cidade de barcos. Eu dormi uma noite no mar. É uma cidade de barcos do mundo inteiro, do Pará, do Maranhão, do Ceará, do Japão, da China, da Venezuela. Por quê? Porque eles têm tecnologia, e nós não temos.
A mineração é um tema sensível, mas é um tema que não dá para fingir que não existe. Primeiro, para combater o ilegal. Temos o problema do garimpo ilegal, que está localizado em duas regiões. Então, para combater precisa conhecer. Eu defendo que temos que ter um estudo e temos que ter um planejamento, um plano de mineração sustentável, negando toda a garimpagem que usa mercúrio, que não é legalizada. Mas também temos que oferecer alguma coisa, porque as pessoas vão continuar lá dentro da mata tirando ilegalmente alguma coisa, se não tivermos uma política para isso.
E tem outro tema sensível que é a questão do petróleo, que eu acho que, cada vez mais nos próximos meses, vai virar tema central em qualquer debate, porque tem muita lógica. Tem uma corrente que quer substituir essa matriz energética, e nós concordamos também. Queremos participar ativamente da transição energética, mas para participar da transição energética, precisamos estar fortes. O petróleo, que foi a ascensão de muitos municípios, também foi a queda quando cessou, porque é um recurso finito.