Amapá surge como maior reservatório de biomassa da Amazônia, revela estudo internacional


Um estudo de impacto internacional, publicado nesta semana na revista científica Sustainability, com sede na Suíça, revelou que o estado do Amapá, no extremo norte do Brasil, abriga os maiores estoques de biomassa por hectare da Bacia Amazônica. A pesquisa, inédita em escopo e precisão, representa um marco nos estudos sobre a vegetação amazônica e destaca o papel estratégico do Amapá na luta global contra a crise climática.

biomassa

Dados

Segundo os dados, as florestas amapaenses armazenam uma média de 537 toneladas de biomassa por hectare, o maior índice já registrado em toda a extensão da Amazônia. Para efeito de comparação, essa quantidade supera em mais de 120% a média geral da região, que é de aproximadamente 243 toneladas por hectare. Além disso, a pesquisa mostra que cerca de 48,5% dessa biomassa é constituída por carbono, o que equivale a 260 toneladas de carbono por hectare, o maior índice de densidade de carbono da Amazônia, ultrapassando em 124% a média regional, que é de 116 toneladas por hectare.

Screenshot-2025-06-16-120104-1 Amapá surge como maior reservatório de biomassa da Amazônia, revela estudo internacional

Metodologia científica

A pesquisa foi coordenada pelo doutor José Julio de Toledo, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal do Amapá (Unifap), e contou com a colaboração de mais 11 especialistas de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), a Universidade Estadual de Roraima (UERR), a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), a Embrapa Amapá e a Universidade do Estado do Amapá (Ueap).

Os cientistas utilizaram uma abordagem inovadora, combinando levantamentos florísticos de campo com técnicas avançadas de modelagem espacial. Foram analisados dados obtidos por sensoriamento remoto, imagens de satélite, medições diretas de biomassa e algoritmos de geoprocessamento. A integração dessas ferramentas permitiu a construção de um mapa de biomassa em alta resolução, cobrindo diferentes tipos de vegetação do estado.

O estudo identificou que as áreas mais produtivas em termos de acúmulo de biomassa estão localizadas em florestas de terras baixas não inundáveis, seguidas pelas florestas submontana (em encostas e sopés de montanhas) e pelas florestas de várzea, sujeitas a inundações periódicas. As áreas de destaque incluem o Platô das Guianas, no norte do estado, e o Vale do Jari, no sul, onde árvores gigantes como angelins e maçarandubas atingem alturas superiores a 50 metros.

Implicações ambientais

O acúmulo de biomassa em florestas tropicais é um fator crucial no equilíbrio do clima global, pois representa um poderoso mecanismo natural de sequestro de carbono. Ao reter grandes quantidades de CO₂ atmosférico, essas florestas ajudam a mitigar os efeitos das emissões de gases do efeito estufa. Nesse contexto, o Amapá surge como um verdadeiro sumidouro de carbono — uma reserva natural com potencial de influenciar positivamente o balanço climático do planeta.

De acordo com o engenheiro florestal Marcelino Guedes, da Embrapa Amapá, a presença de árvores gigantes em regiões como o Vale do Jari é indicativo de um ecossistema extremamente produtivo. “Já tínhamos fortes indícios de que essa floresta era excepcional. Agora temos a confirmação científica de que ela é a mais rica em biomassa de toda a Amazônia”, afirmou.

Guedes destacou ainda que essa concentração de carbono não apenas contribui para o clima, mas também fornece serviços ecossistêmicos vitais, como a regulação do ciclo hídrico, a manutenção da biodiversidade e a proteção contra eventos climáticos extremos. “É como se o Amapá fosse o coração que bombeia vida para a floresta”, disse.

Políticas públicas e conservação

O estudo também ressalta a importância da proteção territorial como chave para a manutenção dos estoques de biomassa. O Amapá se destaca nacionalmente por manter 84% de sua cobertura florestal em áreas protegidas, incluindo unidades de conservação de uso sustentável e territórios indígenas. Esse percentual é um dos mais altos entre os estados brasileiros.

Screenshot-2025-06-16-122030 Amapá surge como maior reservatório de biomassa da Amazônia, revela estudo internacional
Imagem: J. Aloisio Soares.

Para o coordenador do estudo, José Julio de Toledo, essa característica torna o Amapá um modelo a ser seguido. “É fundamental fortalecer políticas públicas que protejam essas áreas, como a gestão comunitária, o apoio a cadeias produtivas sustentáveis — óleos essenciais, frutos, sementes — e a implementação de mecanismos de mercado como o REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação)”, explicou.

Toledo argumenta que o estado pode se tornar um modelo mundial de desenvolvimento sustentável, conciliando proteção legal, valorização da biodiversidade e geração de renda local. “Se houver investimento certo, o Amapá pode se consolidar como um exemplo de floresta em pé que gera valor e oferece soluções reais para o desafio climático”, disse.

O papel da ciência e da sociedade

Além de sua relevância ambiental, o estudo representa um marco para a ciência amazônica. A liderança de uma universidade da região, a Unifap, e a articulação entre instituições locais e nacionais mostram o fortalecimento da produção científica no Norte do país. “Essa é uma conquista não apenas da academia, mas de todo o povo amapaense”, afirmou o professor José Douglas, da Ueap.

Segundo Douglas, o estudo pode atrair investimentos internacionais em conservação, colocando o Amapá no radar de programas ambientais de larga escala. “As florestas do Amapá são um tesouro global. Essa visibilidade pode ajudar a captar recursos para projetos sustentáveis e proteger nosso patrimônio natural”, disse.

Desafios e ameaças

Apesar dos resultados positivos, os pesquisadores alertam para a necessidade de vigilância constante. O avanço da fronteira agrícola, o garimpo ilegal e a exploração desordenada de recursos naturais representam ameaças crescentes, inclusive em áreas protegidas. Os autores do estudo recomendam a intensificação de ações de monitoramento, fortalecimento das instituições ambientais e apoio contínuo às populações tradicionais.

Outro ponto crítico é a valorização econômica da floresta em pé. Ainda são poucos os mecanismos que garantem retorno financeiro sustentável para comunidades que vivem da floresta sem destruí-la. O estímulo a atividades como o manejo florestal comunitário e o ecoturismo pode ser decisivo para mudar esse cenário.

Necessário preservar

O estudo publicado na Sustainability não apenas comprova a excepcionalidade das florestas do Amapá, como também reforça a necessidade de preservar e investir em sua proteção. Em um momento de emergência climática global, em que o desmatamento avança sobre biomas vitais como a Amazônia, os dados apresentados representam um alerta e uma esperança.

O Amapá mostra que é possível manter a floresta em pé, com alto valor ecológico e potencial econômico sustentável. Mais do que um estado da federação, surge como protagonista climático e referência para políticas de conservação e desenvolvimento verde.