Amazonas reduz mortalidade materna e vira referência em saúde socioambiental


Saúde materna na Amazônia: quando o território desafia o cuidado

Reduzir a mortalidade materna em um território como o Amazonas é enfrentar, ao mesmo tempo, desigualdades históricas, distâncias geográficas extremas e vulnerabilidades socioambientais profundas. Por isso, a queda de 49,2% nesse indicador, apresentada pelo estado na 3ª Conferência Nacional de Planificação da Atenção à Saúde (PAS) e no 1º Encontro Internacional de Promoção da Saúde, em Brasília, representa mais do que um avanço estatístico: é a demonstração de que políticas públicas territorializadas podem salvar vidas em contextos complexos.

Foto: Gilvanete Costa/Serfi

O Amazonas levou ao encontro experiências conduzidas pela Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM) que dialogam diretamente com a realidade amazônica, onde rios são estradas, comunidades vivem isoladas e fatores ambientais, sociais e econômicos moldam o acesso ao cuidado. Ao colocar esses resultados em um espaço internacional de troca de boas práticas, o estado evidenciou que enfrentar a mortalidade materna na Amazônia exige uma abordagem integrada, que una saúde, organização do território e justiça social.

O evento foi organizado pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e pelo Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), iniciativa do Ministério da Saúde, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein, a Beneficência Portuguesa de São Paulo e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). O objetivo central foi compartilhar resultados e estratégias capazes de fortalecer sistemas de saúde em contextos diversos, especialmente em regiões marcadas por desigualdades estruturais.

Planificação da Atenção à Saúde e o desafio amazônico

A metodologia da Planificação da Atenção à Saúde, adotada pelo Amazonas, parte do fortalecimento da Atenção Primária à Saúde (APS) como eixo estruturante do Sistema Único de Saúde. Em um estado onde muitos municípios só são acessíveis por via fluvial ou aérea, organizar a APS significa garantir que o primeiro contato com o sistema seja resolutivo, contínuo e sensível às condições de vida das populações.

Durante a conferência, a secretária de Estado de Saúde, Nayara Maksoud, apresentou os resultados da reorganização da APS no interior, destacando como a regionalização e a presença mais ativa da gestão estadual nos territórios contribuíram para melhorar o acesso e reduzir agravos evitáveis. Indicadores como mortalidade materna e sífilis congênita foram usados como termômetros de um processo que vai além da assistência clínica e alcança o campo da equidade socioambiental.

A Planificação permitiu integrar os diferentes níveis de atenção — primário, especializado e hospitalar — em regiões onde a fragmentação do cuidado historicamente ampliou riscos para gestantes. Ao articular fluxos, protocolos e responsabilidades, o estado conseguiu reduzir atrasos no diagnóstico, no encaminhamento e no acompanhamento de gestantes em situação de maior vulnerabilidade.

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Foto: Gilvanete Costa/Serfi

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Território, ambiente e cuidado: experiências que transformam realidades

Entre os casos apresentados, ganhou destaque o Ambulatório de Alto Risco de Parintins, estruturado como Ponto de Atenção Secundária Ambulatorial (Pasa). A iniciativa reorganizou o acompanhamento de gestantes em uma região marcada por desafios logísticos e sociais, fortalecendo o cuidado integral à saúde da mulher e reduzindo deslocamentos longos e inseguros, comuns em áreas ribeirinhas.

Outro exemplo foi o trabalho desenvolvido em Boa Vista do Ramos, que integrou a Planificação da Atenção à Saúde ao projeto de Telessaúde Telepnar, realizado em parceria com a Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Em um contexto de isolamento geográfico, o uso de tecnologias digitais ampliou o acesso a especialistas, qualificou diagnósticos e reduziu desigualdades entre áreas urbanas e comunidades mais afastadas.

Essas experiências mostram que a saúde materna na Amazônia não pode ser pensada sem considerar fatores ambientais, como cheias e secas dos rios, e sociais, como pobreza, insegurança alimentar e dificuldade de acesso a serviços públicos. A organização do cuidado passa, necessariamente, por compreender o território como determinante de saúde.

Gestão integrada e justiça socioambiental na política de saúde

As equipes do Amazonas também apresentaram trabalhos que reforçam a visão integrada da política de saúde, como a construção do Plano da Rede Alyne do Amazonas, voltado à organização do cuidado materno-infantil em todo o estado, e iniciativas de fortalecimento da segurança do paciente e da gestão do cuidado de gestantes de alto risco.

Para a secretária executiva adjunta de Políticas de Saúde da SES-AM, Diana Lima, os resultados alcançados refletem um modelo de gestão baseado em planejamento, monitoramento e atuação territorial integrada. Esse alinhamento entre políticas estaduais e realidades locais tem sido decisivo para garantir avanços consistentes nos indicadores de saúde.

Ao levar essas experiências para um encontro internacional, o Amazonas reafirma que reduzir a mortalidade materna em contextos socioambientais desafiadores exige mais do que investimento em infraestrutura hospitalar. Requer presença do Estado nos territórios, articulação com municípios, valorização da Atenção Primária e políticas públicas sensíveis às desigualdades históricas que atravessam a Amazônia.

A queda de quase 50% na mortalidade materna, portanto, é resultado de uma construção coletiva que articula saúde, território e justiça social — um exemplo de que cuidar da vida, na Amazônia, passa por compreender o ambiente onde ela se desenvolve.